Estação Barra

 

Havia só um assento disponível naquele vagão do metrô. Eu entrei rápido e sentei. Na estação seguinte a pessoa ao meu lado levantou e no lugar sentou uma senhora de seus 60 anos, com bermudas e um xale enrolado no pescoço. Estávamos na estação Cinelândia, centro do Rio. E logo que sentou ela me perguntou:

- Aqui é a estação Barra?
Não, respondi, ainda está longe. Barra é a última estação da linha.
- Ah...
Peguei meu celular e olhei uma foto. Então a senhora, espichando a cabeça sobre meu celular perguntou:
-É você?
Eu, surpreso com aquela inesperada invasão de minha privacidade telefônica respondi:
- Não. É meu tio.
- Ah... é parecido.
- Pois é.
- É muito parecido com você.
- Pois é, família é tudo igual (com uma risadinha educada, tentando encerrar o papo). Mas ela voltou à carga:
- Eu tenho uma irmã gêmea. Ela é muito parecida comigo
- Que legal.
- Nós somos iguaizinhas por fora. Mas por dentro somos diferentes. Ela é mal humorada e briga com todo mundo. Ela briga muito comigo.
- Que chato né?
- Você tem irmãos?
- Não. Eu não tenho irmãos.
- Que dia é hoje?
- Hoje é dia 28.
- Ah... ontem foi dia 27 não é?
- Sim, ontem foi dia 27. E amanhã vai ser dia 29.
- Ah... hoje é 4ª feira?
- Sim, hoje é 4ª feira.
- Então amanhã vai ser 5ª feira né?

Foi só nesse instante que eu percebi que estava sentado ao lado de uma louca. E que ela insistia em puxar assunto comigo. Ainda faltavam vinte minutos de viagem até chegar na minha estação e a louca não dava trégua. Pensei rapidamente no que fazer. Dei uma olhada em volta para ver como as pessoas reagiam àquele papo surrealista mas ninguém parecia estar ouvindo. Todos estavam entretidos com seus próprios celulares. Pensei em levantar e trocar de assento, mas mudei de ideia. Isso seria muito ostensivo e até mal educado da minha parte. Eu também não queria magoar ninguém. Além do mais não havia nenhum outro assento livre. Decidi então usar meu plano de emergência e apelar para o Gmail. Fingi que precisava escrever uma mensagem extremamente importante e que requisitava toda minha atenção naquele momento. Algo que me impedia de ouvir e prestar atenção a tudo mais que se passava em volta. Não havia conexão de internet no metrô, mas a louca provavelmente nem sabia disso. Comecei a digitar tudo que me vinha à cabeça. Enquanto isso a louca continuava a me fazer todo tipo de perguntas, sobre minha idade, profissão, família, irmãos e irmãs, entremeadas com todo tipo de queixas sobre sua irmã gêmea, que pelo visto era uma peste. E eu ali, firme, concentrado no meu texto ainda mais louco. Foi a viagem mais longa e exaustiva de metrô que já fiz na vida.

Quando finalmente cheguei na minha estação - e por coincidência acabei o texto - levantei, dei um sorriso para a senhora e falei tchau, ao que ela me sorriu de volta e deu tchauzinho com as mãos. E antes de descer vi que uma menina tinha sentado no lugar onde eu estava. E ainda tive tempo de ouvir a senhora perguntar para ela:

- Aqui é a estação Barra?

 

Publicado em 05.09.2019