Hoje, dia de meu aniversário, lembrei sem razão aparente, de uma viagem feita ao longo da Route 66, a lendária estrada que atravessa metade dos Estados Unidos.
Construída durante os anos 30 do século passado, a mítica Route 66 é considerada a Mother Road of America, responsável por fazer surgir ao longo de sua extensão, incontáveis localidades e estabelecimentos comerciais. Ainda mais, ela fez surgir lendas e histórias de todo tipo sobre o que a estrada representou para o projeto de integrar a costa oeste ao resto do país. Por isso, percorrer a Route 66 não é apenas fazer uma viagem, é uma aventura de busca pela história do país e de tudo que existe e existiu ao longo dela.
Percorrer a Route 66, em suma, é uma aventura de reencontrar o coração e a alma dos Estados Unidos. Não é uma jornada para amadores.
E que aventura extraordinária foi essa. Não apenas foi emocionante descobrir a alma da America, mas também o simbolismo que se esconde atrás dela. E ao descobrir tudo que lá está, acabamos indo além, e descobrindo algo sobre nós mesmos. O paralelo foi inevitável.
Dizem que o tempo é enganador, mas o que dizer das distâncias? Num piscar de olhos tudo em volta muda, a paisagem, as cidades, as pessoas e até nós mesmos. E curiosamente, mesmo já tendo percorrido grandes distâncias e passado muito tempo, tenho a sensação que tudo começou ontem. Só que não. Foram retas cansativas, curvas perigosas e trechos que exigiram muito esforço ao volante e concentração para não derrapar.
Houve dias de sol esplendoroso que pensei que fossem durar para sempre e dias nevoentos que pensei prenunciassem o fim da estrada. Só que não. Sempre, depois de cada trecho, a estrada novamente me surpreendia, se modificava, seguia em frente, se desdobrava, se estendia, se embelezava e me mostrava, quase como se estivesse rindo de mim, que era inútil eu ter ao meu lado os melhores mapas e roteiros, porque ela, a estrada, era a dona do caminho.
Ela era imprevisível e mutante, e iria sempre continuar a me fornecer novas surpresas e lições. Era para isso que ela estava lá: Me ensinar a viajar. E eu era apenas mais um a lhe percorrer. E quando eu achava que já conhecia todas as curvas da estrada e que dela não poderia esperar mais nada, ela, meio indignada, dava uma nova virada e dizia: Aperte os cintos porque você ainda não viu nada!
Hoje, olhando para trás, percebo que algo curioso ocorreu: Os trechos ruins da estrada ficam cada vez mais esquecidos, como se nunca tivessem ocorrido, e começam aos poucos a sumir de minha memória. E os trechos bons continuam vivos em minha mente, em cada um de seus mínimos detalhes, como se viajassem no banco do lado. E talvez isso signifique que estou finalmente aprendendo a viajar.
Hoje posso dizer que aprendi a gostar dessa estrada e de suas mudanças de rumo inesperadas. E descobri que não existe retorno na Route 66.
Tanto nela, como na minha estrada de vida, irei onde me levarem.
Publicado em 02.08.2019