O Charme de Voar

 

Já me contaram que meu primeiro voo foi quando eu tinha 15 dias de idade, entre Porto Alegre e Bagé, mas curiosamente não me lembro de nada desse voo. Sempre gostei de voar e acho que essa minha paixão não reside somente nos aviões, mas também no que eles representam: A possibilidade de conhecer lugares novos, a fuga da rotina e a emoção do inesperado. Aviões são, acima de tudo (sem trocadilho), o portal de passagem para novos mundos. Mas é inegável que voar já foi uma atividade mais charmosa.

Lembrei do antigo charme de voar quando por acaso encontrei essa antiga foto do cantor Cauby Peixoto embarcando num avião da VARIG.

As pessoas usavam suas melhores roupas para viajar, porque voar era um evento especial, uma verdadeira efeméride. Aeroportos não tinham terminais, era um salão só e pronto. Não existiam fingers, as pessoas caminhavam até os aviões e subiam uma escadinha para embarcar. Parentes e amigos podiam nos acompanhar até o pátio, encostavam numa grade e ficavam olhando a gente embarcar. Às vezes eles ficavam na sacada - todo aeroporto tinha uma sacada - abanando. Então, ao chegar no último degrau, a gente se virava e dava um tchauzinho para quem ficava.

Quando chovia a gente pegava chuva no caminho até o avião. Quando ventava a gente pegava vento no caminho até o avião. A gente via o sol, a lua e as estrelas a caminho do avião. E à medida que a gente se aproximava dele, imenso, impressionante e com as turbinas (ou hélices) já fazendo barulho, sentíamos um crescente de emoção e excitação, porque sabíamos que aquela máquina maravilhosa ia nos carregar em seu bojo e em poucas horas estaríamos no outro lado do mundo. Tudo era magia. Os passageiros estavam numa passarela e eram todos tratados como super stars. A gente podia levar quanta bagagem quisesse, não existia raio X e nem paranóias de segurança. Não havia terrorismo nem aviões haviam sido transformados em armas para atacar inocentes.

E se era assim antes de embarcar a viagem propriamente dita era um show de charme e elegância. Aeromoças (como eram chamadas as comissárias de bordo) eram jovens, lindas e sorridentes. As regras da época estipulavam que não poderiam ser casadas e precisavam manter um rígido controle de peso. Mau humor com passageiros era algo impensável. As refeições servidas a bordo eram dignas de um restaurante estrelado e as bebidas eram tudo que havia de melhor. Cada detalhe de bordo era pensado para proporcionar aos passageiros uma experiência inesquecível, como se estivessem num exclusivo evento de gala. Claro, voar era caro e por isso não era algo que cabia em todos os bolsos.

Com o tempo a aviação comercial tomou o lugar de outras modalidades de transporte e se popularizou para todos, o que foi ótimo. Mas para isso acontecer teve que cortar custos, fazer diversas adaptações e principalmente, deixar a magia e o luxo para trás. Muitas companhias aéreas que não conseguiram se adaptar aos novos tempos ficaram pelo caminho. A pá de cal no tratamente vip e no charme de voar veio após os atentados de 11 de setembro. Essa data foi um divisor de águas na aviação.

Hoje ao embarcar somos tratados como criminosos em liberdade condicional. Para voos internacionais o ideal é chegar no aeroporto com 4 horas de antecedência, quando começa o ritual: Revista da bagagem de mão, raio X na bagagem despachada, fila para passar no detector de metais. Bipou? Esvazie os bolsos e passe de novo. Tesourinhas de unha e pinças confiscadas. Sapatos malignos, sopa de bebês suspeitas, laptops ameaçadores, cremes banidos, cintos inseguros, garrafas proibidas, plásticos transparentes 20x20 com todos os itens suspeitos reunidos, escolha aleatória de passageiros para checar com reagentes químicos se você manuseou substâncias explosivas e ainda mais vistorias aleatórias, dependendo da sua aparência ou nacionalidade. Eu mesmo já fui escolhido algumas vezes para estas vistorias aleatórias, o que me fez concluir que devo ter uma aparência extremamente suspeita.

E depois de passar por tudo isso, os passageiros ainda precisam percorrer quilômetros até o portão de embarque, monitorados por câmeras onipresentes e vigiados por seguranças. Recomenda-se também aos passageiros nunca pronunciar certas palavras num aeroporto, como 'bombas' (mesmo que sejam de chocolate), porque isso poderá ser ouvido por alguém e você poderá ser convidado a comparecer a uma sala reservada para dar explicações mais detalhadas.

Então, os passageiros que finalmente conseguirem transpor todos esses obstáculos irão atravessar um túnel conhecido com finger, e quando se derem conta já estarão dentro do avião, sem nem ao menos terem tido a chance de ver como ele é por fora.

Continuo gostando de aviões, viagens e de aeroportos, mas sem dúvida voar já foi algo bem mais relaxante.

Agora, quem entra num avião só pensa em chegar ao destino, o mais rápido possível.

 

 

Publicado em 16.12.2018