Tempos Difíceis

 

Deviam ser duas horas daquela tarde quente de sol quando eu, quase chegando em casa, ao passar pelo prédio ao lado, vi uma jovem atraente, de seus vinte e poucos anos, bem vestida, na portaria do prédio, perguntando alguma coisa ao porteiro. Deve estar perguntando se no prédio tem algum apartamento para alugar, pensei, isso é comum por aqui. Segui em frente e não pensei mais no assunto,

Quando cheguei em casa parei em frente à porta blindex da portaria, procurando a chave para entrar e vi pelo reflexo no vidro a mesma moça, atrás de mim. Então pensei: Ela agora veio pra cá e vai me perguntar a mesma coisa, se tem algum apartamento para alugar aqui.

Então virei, já com a resposta na ponta da língua, pronto para lhe dizer que eu não sabia se existia algum apartamento para alugar aqui, mas ela foi mais rápida que eu e com um sorriso angelical disse: 'Eu vim hoje cedo aqui pra Ipanema pra arranjar um programa, mas até agora não consegui nada'... e parou no meio da frase, enquanto me olhava de um jeito como se esperasse que eu fosse a solução de seu problema.

Acho que levei uns dois ou três segundos para entender o que a jovem trabalhadora estava oferecendo e mais uns quatro ou cinco para me recuperar da surpresa, mas quando a ficha caiu puxei do fundo de mim aquela expressão blasé de quem já viu tudo no mundo, e com a maior indiferença possível disse: 'Que chato heim? Melhor sorte da próxima vez', e lhe dei as costas enquanto entrava, ainda a tempo de ouvir seus xingamentos.

E enquanto subia no elevador pensei que tempos difíceis são os nossos, em que até as trabalhadoras do sexo tem que procurar trabalho batendo de porta em porta.

 

 

Publicado em 08.05.2019