Às vezes, quando estou aqui, tenho a sensação que estou brincando num local de trabalho. Como crianças quando vão ao trabalho dos pais. Arranjam para elas uns lápis coloridos para passarem o tempo, desenhando ou então colocam um joguinho de computador para elas se entreterem até a hora de encerrar o expediente.
A maioria de nós usa as redes sociais para fazer mais ou menos isso: Brincar. Encaminhamos memes, postamos milhões de selfies mostrando como somos felizes/bonitos, falamos de nosso carinho por cães/gatos, curtimos rancores/amores para os que pensam diferente/igual e escrevemos textos descartáveis sobre música.
Enquanto isso, os adultos trabalham com propósitos bem mais sérios: Obter lucro, engolir concorrentes e crescer cada vez mais. As reportagens dos últimos dias confirmam que as redes sociais são, cada vez mais, lugar de gente grande. Elas são, no fundo, como aquela piada do trenzinho elétrico: É um presente para o filhinho, mas quem vai brincar mesmo é o papai.
A questão é que, mesmo sabendo disso, estamos tão dependentes destas redes que a vida sem elas se tornou impossível. Como viver sem o whatsapp? Ou sem o Insta? O Facebook morreu? Não se iluda, outro virá em seu lugar.
As redes sociais são um passo à frente, inevitável e irreversível, na forma de contato e comunicação entre pessoas. As redes representam hoje o que foram no passado o telegrama e as cartas escritas à mão. Graças às redes podemos manter contato com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo e os conceitos de saudade e distância foram profundamente modificados.
Graças às redes podemos ser ouvidos, contestados, amados, odiados e seguidos. Nelas podemos procurar, encontrar, ajudar, vender, propagandear, influenciar e até bloquear, a versão digital de matar. Elas são uma extensão de nós mesmos e de nossa forma de pensar, e curiosamente, muitas vezes nos mostramos de forma mais completa nestas redes que ao vivo.
As redes repetem, de certa forma, o curioso fenômeno conhecido como síndrome do viajante, o evento já estudado pela psicologia que leva muitas pessoas que estão em outros países a agirem de forma solta, sem amarras sociais, falando e agindo de forma como normalmente não agem no dia a dia em seu próprio país.
Na intimidade de nosso quarto, em frente ao computador, temos a ilusão que estamos num local onde tudo é liberado, onde podemos dizer e fazer o que desejarmos. Nesse lugar ninguém pode nos impedir de ser nós mesmos e temos a sensação que os outros vão ter que me engolir, como disse o mestre Zagallo.
Não sei como o fenômeno das redes sociais vai evoluir e muito menos como será nosso futuro relacionamento com elas, mas tenho certeza que neste exato momento alguém em alguma sala de Silicon Valley já sabe e está planejando os próximos passos que nós, você e eu, estaremos dando em breve.
A maioria dos engenheiros computacionais prevê que no futuro existirá apenas uma rede, um imenso sistema operacional globalizado conectando todas as pessoas e coisas (você viu o filme 'Ela'?), e nós receberemos então, ao nascer, um tipo de IP que nos acompanhará para o resto da vida.
A verdade é que, gostando ou não, dando lucro ou prejuízo, este caminho não tem volta. E isso não tem nada de brincadeira.
Publicado em 29.07.2018