Sou da geração baby boomer, como são conhecidos os nascidos entre 1946 e 1964, após a segunda guerra mundial. Com o imenso parque industrial americano desobrigado de produzir tanques e aviões sua produção se voltou para os consumidores. O mundo foi inundado por aspiradores de pó, geladeiras, fogões, secadores de cabelo, aparelhos de televisão e dezenas de outros eletrodomésticos. As crianças baby boomers deviam ser boazinhas, educadas, obedecer papai e mamãe e sempre usar roupas bonitinhas e engomadas.
Depois veio a Geração X, os nascidos entre 1965 e 1980. Foi uma época em que os jovens ganharam independência, voz própria, direitos de contestação e de liberdade sexual. Viveram de perto a revolução de costumes e da música. Se tornaram independentes mais cedo, perseguiram a auto-suficiência, num mundo que valorizava o enriquecimento pessoal e a ostentação exagerada. Hippies e Yuppies são símbolos desta época.
Os Millennials nasceram entre 1980 e 2000. Cresceram juntos com a revolução tecnológica, viram surgir os primeiros computadores pessoais, e logo se tornaram íntimos de laptops e celulares. Desprezaram o hippismo e o youpismo da Geração X, e preferiram valores familiares, almejando equilíbrio entre trabalho e lazer. Para Millennials, o celular é uma extensão do próprio corpo.
O que as pessoas destas gerações tem em comum? Todas nasceram e cresceram em épocas de fartura. Nenhuma delas, ao menos em grande parte do mundo, precisou enfrentar guerras, racionamentos, fome ou pestes.
Ao contrário de nossos pais, avós ou bisavós - dependendo da geração - nenhuma delas chegou a conhecer os carnês de racionamento de alimentos. Nunca lhes faltou gasolina para seus carros, nem foram proibidas de ir à praia nem precisaram passar por blecautes para suas casas não serem bombardeadas. Nunca passaram pela experiência de considerar manteiga, ovos, carne e dezenas de outros itens como coisas de luxo, impossíveis de conseguir. Nunca viram pessoas amadas partir para a guerra sem saber se iam voltar. Nunca presenciaram tropas inimigas invadir suas cidades e casas. Nunca presenciaram mães e irmãs serem estupradas, nem pais e irmãos assassinados.
Nossas gerações foram privilegiadas pela linha do tempo. E mesmo assim, muitas vezes reclamamos tanto por tão pouco. Não fomos postos à prova como nossos antepassados e talvez por isso não chegamos a desenvolver os sentimentos de sacrifício, solidariedade e união que gerações mais antigas precisavam exercer diariamente para sobreviver.
Semana passada, em meio à pior pandemia dos últimos 100 anos, causou choque e horror ver o egoísmo e indiferença de tantos que foram às praias, lotaram bares e restaurantes e se reuniram em grandes grupos, sem dar a mínima para o fato de que, quando voltassem para casa, poderiam contaminar seus queridos.
Felizmente nos últimos dias o cenário mudou, e estamos começando a agir dentro do espírito que deve prevalecer em tempos de crise. A conscientização demanda tempo.
A verdade é que o mundo nunca esteve tão isolado e com tantas pessoas confinadas. Nunca houve nada igual, nesta escala e proporção. Estamos atravessando um momento histórico, que os livros futuros irão registrar como A Grande Pandemia de 2020. E este é o momento de nossas gerações serem postas à prova. Este é o momento de demonstrarmos empatia, sacrifício e coragem.
Este é o momento de mostrar que, assim como nossos antepassados, nós também somos bons de briga.
Publicado em 22.03.2020