Não gosto de arroz doce e sei que vou perder alguns amigos depois que lerem isso, mas não adianta. Não gosto mesmo. Lembrei de dizer isso porque Regina volta e meia prepara um prato de arroz doce aos domingos e eu fico sempre olhando à distância. Ela até já sabe que nem precisa se dar ao trabalho de me oferecer. Reconheço que o prato fica lindo, super arrumadinho e o toque final com canela polvilhada em cima é o arremate perfeito (embora eu também não seja muito fã de canela). O prato faz um sucesso imenso com todo mundo e nunca sobra nada, mas eu fico só olhando de longe. Arroz doce com canela e eu somos inimigos viscerais.
É curiosa essa história de algumas pessoas amarem tanto certos pratos enquanto outras não aguentam nem sentir o cheiro. Dizem que a explicação seria cultural ou hábitos de criação, fatores genéticos, posição das estrelas, sei lá, mas o fato é que até hoje ninguém encontrou uma explicação lógica para este mistério. E só para arrematar: Também não gosto de chuchu com molho branco e detesto camarões. Pronto falei. Agora é que não vai sobrar mesmo nenhum amigo na minha lista.
Estes desgostos alimentícios já me fizeram passar por algumas situações difíceis. Há muitos anos fui estudar na casa de um amigo e no meio da tarde a mãe dele apareceu no quarto, toda gentil, trazendo uns quitutes pra gente: Uma bandeja com vários potinhos de arroz doce. Com canela por cima. Devo ter levado meia hora para comer metade do potinho que ela me estendeu e se não me falha a memória, quando ela saiu do quarto joguei o resto pela janela.
Outra vez estava em Florianópolis, no final do dia e depois de ter concluído meu trabalho de engenharia, o administrador do prédio resolveu fazer uma gentileza. Me levou para um restaurante em frente à lagoa da Conceição dizendo que eu ia saborear um prato local, delicioso e amado por todos. Sentamos na mesa, ele fez o pedido para o garçom e em pouco tempo chegou o prato: Uma travessa imensa de camarões. Enormes e reluzentes. Eu nunca tinha visto nada igual. Eu era um jovem engenheiro e se na época já existissem celulares eu juro que teria simulado uma chamada de emergência – um viaduto desabando ou qualquer coisa assim - para poder levantar e sair correndo. Disfarcei o quanto pude, mordi uma pontinha de um e de outro, inventei que tinha almoçado tarde e não estava com fome e assim foi durante duas horas torturantes, até irmos embora. E quando cheguei no hotel, claro, botei tudo pra fora e passei uma das piores noites da minha vida.
Hoje em dia eu tiro essas situações de letra, e tenho um método infalível para não ferir a sensibilidade de ninguém: Eu minto. Quando insistem para eu comer um desses pratos eu digo: Não posso. Tenho alergia. Minha glote fecha. Posso até morrer. Às vezes acrescento, com uma cara infeliz e um suspiro profundo: Amo, mas nem posso pensar em comer. As pessoas então me olham com uma expressão compungida, cheias de pena, algumas até seguram na minha mão para dar força, e ninguém mais insiste nem toca no assunto.
Por isso, se você por acaso algum dia me convidar para comer fora ou jantar em sua casa já sabe: Não me venha com chuchu ao molho branco, arroz doce nem camarões. Detesto ter que mentir.
Publicado em 17.12.2017