Conta-se que se colocarmos um sapo numa panela com água à temperatura ambiente e fizermos a temperatura aumentar aos poucos, o sapo não sentirá a mudança na temperatura até ser tarde demais e acabará cozinhado.
A família Bolsonaro testa os limites de nossa democracia com suas declarações. Elas são semanais, quase diárias, e acontecem com intensidade crescente. Essas declarações agridem nossa democracia, nossas instituições, nossos poderes e nossa sociedade. Elogiam-se torturadores, diz-se que para fechar o Supremo basta um soldado e um cabo, diz-se que por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá como almejamos, posta-se um vídeo onde o leão presidente é ameaçado por hienas (OAB, STF, CNBB, imprensa) ameaça-se implantar o AI5, ordena-se o cancelamento da assinatura do jornal Folha de São Paulo em órgãos federais, ameaça-se convocar plebiscitos para dar poderes extraordinários ao presidente, ameaça-se não renovar a concessão de empresas de comunicação que não sejam amigáveis e por aí vai.
E ao contrário do que parece, essas declarações não são dadas impensadamente. Elas são feitas com planejamento e tem um objetivo definido: Aquecer a água.
Todas elas, claro, são depois desmentidas, relativizadas, diz-se que não é bem assim, que elas foram distorcidas e reproduzidas fora do contexto. São desculpas esfarrapadas que não convencem ninguém, tão autênticas quanto uma moeda de 3 reais. Mas a ideia fica plantada e atende aos objetivos previstos: Insuflar seus seguidores radicais e avançar mais um passo no cerco à democracia.
Enquanto isso, nós vamos aos poucos e sem perceber, nos acostumando a estas declarações, passando a considerá-las usuais, deixando de levá-las a sério e deixando de nos indignar com seu conteúdo. E deixamos a temperatura da água subir mais um pouco.
O desprezo da família Bolsonaro pela democracia é inequívoco. Se há alguns meses ainda havia espaço para dúvidas agora não há mais. Os sinais se tornam mais evidentes a cada dia. As declarações da família Bolsonaro seguem à risca o modelo adotado por Nicolás Maduro e Viktor Orbán, ditaduras de esquerda e de direita, de Venezuela e Hungria. O roteiro consiste em insuflar ao máximo a militância extremista, cercear a imprensa, domesticar o judiciário, domar o legislativo, acabar com as liberdades democráticas para finalmente implantar um regime nos mesmos moldes.
Nós, que amamos e respeitamos a democracia, não podemos deixar a água chegar ao ponto de fervura. Por mais erros e problemas que tenha nossa democracia, ela será sempre melhor que qualquer ditadura, seja de direita ou esquerda. E será sempre o único caminho a seguir.
Publicado em 04.11.2019