Certa vez conheci uma senhora bem idosa que gostava de contar histórias sobre a gripe espanhola, que entre 1917 e 1919 matou milhões de pessoas em todo o mundo. E foi lembrando disso que decidi aproveitar o tema para uma palestra com meus alunos.
O título da palestra foi 'O Mundo do Século Passado', quando aconteceu a grande pandemia. Relatei aos alunos como o mundo naquela época era consumista e egoísta. Relatei que países viviam lutando, em guerras de todos os tipos. Contei que muitas vezes essas guerras eram incentivadas por governos, ideologias ou religiões.
Lembrei que medicina e ciência eram incipientes e muitas vezes prejudicadas por governos preconceituosos e ignorantes. Contei que fortunas eram investidas em armas, tanques e canhões, enquanto milhões morriam de fome, enfermidades e insalubridade.
Contei que muitos passavam a vida difundindo mentiras e calúnias, que por sua vez geravam mais mentiras e calúnias, e que este movimento prosseguia num ciclo sem fim. Contei que existiam bilionários e miseráveis, que alguns moravam em palacetes enquanto outros dormiam nas ruas. E enquanto eu falava podia observar a incredulidade estampada nos olhos dos jovens. Eles simplesmente não conseguiam acreditar que o mundo um dia já havia sido assim.
Mesmo assim fui em frente e cheguei ao ponto crítico da palestra: A grande pandemia. Contei que quando ela chegou muitas pessoas não acreditavam que fosse algo sério e continuaram com suas rotinas. Até que as mortes começaram a acontecer, cada vez mais numerosas, em todos os lugares, sem que ninguém conseguisse descobrir como se dava o contágio. Então veio o medo. Todas as pessoas, em todos os países, precisaram se isolar em suas casas, algo que o mundo jamais, em momento algum, tinha visto.
Contei que escolas, fábricas, praias, ruas, cinemas, restaurantes e parques foram fechados. Contei que as pessoas deixaram de trabalhar, viajar e se visitar. Contei que prédios, ruas, praças e parques ficaram desertos e foram abandonados. Contei que no início as pessoas achavam que tudo estaria terminado em poucos meses, mas que não foi bem assim. A cada mês tudo ficava pior e aquilo parecia nunca terminar. E contei que cientistas, médicos e estudiosos não sabiam mais o que fazer.
Mas só então cheguei ao ponto principal da palestra. Contei que somente após três anos de mortes e doenças, com todos enclausurados e afastados, quando tudo parecia perdido e sem esperanças, algo inacreditável aconteceu. Espontaneamente e sem ninguém combinar foram todos para suas janelas e começaram a gritar, urrar e exigir. Exigiam menos armas e mais hospitais. Menos exércitos e mais médicos. Menos lutas e mais fraternidade. Menos intolerância e mais compreensão. Menos usura e mais generosidade. Menos ostentação e mais compaixão. Foi como se todos tivessem compreendido que aquilo não precisava ser o fim, mas poderia, isto sim, ser a chance de um novo começo. E em meio àquela inacreditável catarse global, a partir daquele dramático clamor por um recomeço, tudo começou a mudar. E contei aos alunos que foi aquele momento que marcou o início da Nova Era, tal como a conhecemos hoje.
Para finalizar a palestra lembrei que caso os jovens quisessem saber mais sobre o distante e atrasado início do século 21 poderiam vivenciar aquela época de várias formas. Bastava entrar no innerall, calçar o fulllife ou vestir o fluidmind.
E dei ainda outra dica aos meus alunos, informando que caso eles tenham idosos em suas famílias (pessoas nascidas antes de 2090 tem dificuldade em entender como funcionam innerall, fluidmind e fulllife, e preferem usar uma arcaica ferramenta, conhecida como Internet, ainda disponível em certos lugares) eles também poderão se informar. Basta procurar sob o nome A Grande Pandemia de 2020.
Publicado em 26.03.2020
N. do A.: