O Incêndio do Museu

 

Quando eu morava em Canoas RS e vinha passar as férias no Rio, meu pai sempre me levava a três programas imperdíveis: Passear de escada rolante - a primeira do Rio - no prédio da Sears, situada na praia de Botafogo, ir até a estação de trens Central do Brasil e embarcar num trem até São Cristóvão e visitar o Museu Nacional.

E esse último era o que eu mais gostava.

Quando chegávamos no museu, meu pai se transformava em guia e historiador. Logo na entrada ficava o imenso meteorito e ele me contava como aquela rocha gigantesca tinha atravessado metade do universo até chegar bem ali na nossa frente.

Depois vinham os fósseis, as ossadas de dinossauros gigantescos, que me deixavam de olhos esbugalhados enquanto meu pai me contava como eles eram os donos da terra muito antes da gente nascer, o que faziam, suas lutas e sua procura por alimentos.

Logo adiante ficavam as múmias, aquelas assustadoras pessoas imóveis, enroladas em panos marcados pelo tempo e dentro de caixas coloridas com a tampa aberta (o nome era sarcófago, meu pai esclarecia) vindas do Egito, terra das pirâmides e dos faraós.

Então era hora de eu me assustar ainda mais com a aranha gigante, com mais de um metro de diâmetro, imóvel dentro de um cubo de vidro, mas que parecia me cuidar com o canto dos olhos enquanto eu andava em volta.

E depois vinham as coleções de insetos estranhíssimos e coloridos, os trajes da família imperial e seus móveis, o corpo humano em formação em diversas fases de gestação, e tantas outras coisas fantásticas que meu cérebro quase não conseguia dar conta de tanta informação. E quando voltava pra casa contava com detalhes, para todos que estivessem por perto, sobre as maravilhas que existiam naquele lugar incrível.

Depois que fiquei adulto passear no museu continuou sendo um ótimo programa, mas agora para levar os parentes que vinham ao Rio. E todos ficavam impressionados.

Acho que a última vez que estive lá foi na década de 80, e já naquela época foi possível constatar que alguma coisa não estava bem. O acervo continuava impressionante, mas o museu dava sinais evidentes da falta de conservação. Madeira do piso rangendo, cheiro de mofo em diversas salas, manchas de infiltração no teto, reboco de parede rachado. Era um prédio doente, mas nada que não pudesse ser resolvido com algum investimento e boa vontade.

Mas o problema é que estamos no Brasil, e em nosso país ninguém liga para museus. No Brasil museus são vistos como depósito de velharias e sua imagem é associada sempre ao mofo, à poeira e ao que não tem mais importância. Museus para nós são a sobra do resto, aquilo que foi posto lá porque não tinha melhor lugar para ser deixado.

Exemplo disso é a conhecida expressão 'Peça de Museu', usada para se referir a algo que já era, que parou no tempo e não tem mais importância. Museu, no Brasil, é quase sinônimo de depósito de lixo.

Quem já teve a oportunidade de visitar museus em países do primeiro mundo teve também a chance de constatar, muitas vezes até com surpresa, como a ideia que temos no Brasil a respeito de museus é equivocada e preconceituosa. Museus em Paris, New York, Londres, Washington, e Madri, só para citar alguns exemplos, são verdadeiras casas encantadas, lugares mágicos, templos do saber, onde visitantes podem interagir, sentir, tocar, vivenciar, ler, aprender, estudar, abrir a mente, viajar pelo mundo, espaço e tempo. Museus modernos são como naves espaciais e máquinas do tempo, que abrem nossa mente e nos permitem compreender melhor a nós mesmos, onde estamos, o espaço que ocupamos na evolução da terra e do universo.

Museus modernos são melhores que o melhor dos livros, melhor até mesmo que a realidade virtual, pois são reais. Eles acendem nas crianças a fagulha da imaginação, nos dão respostas, nos criam dúvidas, nos incentivam a buscar, mostram como há muito a saber sobre tantas coisas, mostram como o mundo do nosso dia a dia é pequeno em função de tudo que existe e já existiu, e nos fazem conhecer e mergulhar em mundos que nem desconfiávamos existir. Por esta razão estão sempre lotados, com filas nas portas, tem visitantes de todos os países, inclusive grupos de colegiais uniformizados e barulhentos, que conduzidos por seus mestres, vão descobrindo o quanto há para ser descoberto. E é maravilhoso ver em seus rostos aquela expressão de encantamento e fascinação que só um bom museu pode oferecer

Às vezes tenho a impressão que vivemos em um país onde todas as leis, a começar pela da gravidade, são ao contrário. Onde o tempo anda para trás. Onde ao invés de aprender com nossos erros, erramos cada vez mais.

Domingo passado para mim foi um dia de luto por tudo que perdemos. E também por tudo que tantas crianças de tantas gerações nunca vão chegar a ver, conhecer, aprender ou sonhar.

 

 

Publicado em 08.09.2018