5G

 

George Orwell, em sua genial obra 1984, publicada em 1949, previu que no futuro existiriam apenas três nações, eternamente guerreando entre si: Oceania, Eurásia e Lestásia.

Em 2021 o Brasil vai decidir qual fabricante irá fornecer infraestrutura para implantação aqui das redes 5G, e ao contrário do que parece, esta não será apenas mais uma licitação internacional. Estaremos no meio de uma guerra violenta e declarada entre Estados Unidos e China. 

Semana passada Todd Chapman, embaixador americano no Brasil, disse que se o Brasil escolher a China sofrerá retaliações por parte dos Estados Unidos, com a consequente diminuição de investimentos aqui. A China, por sua vez, já deixou claro, com a sutileza oriental, que se for barrada na licitação o Brasil enfrentará sérias represálias econômicas.

A Huawei, empresa chinesa, é líder global na fabricação de equipamentos 5G, seus preços são mais baratos que os das concorrentes e sua tecnologia já equipa a maior parte das torres 4G do país. Tecnicamente seria mais vantajoso, econômico e rápido fazer o upgrade mantendo o mesmo fornecedor. Acresce que a China é nosso maior parceiro de negócios, responsável em grande parte pelo saldo positivo da balança comercial brasileira e como é sabido, não é boa ideia dispensar bons clientes.  

Já os Estados Unidos apóiam as empresas Nokia e Ericsson. O saldo da balança comercial com americanos é negativo para o Brasil, o que significa que eles ganham mais do que nós nas transações entre os dois países. Implantar aqui uma rede com equipamentos dessas empresas iria exigir que grande parte dos equipamentos já instalados pela Huawei fossem retirados, serviço que provavelmente levaria anos para ser concluído, encarecendo o custo final e aumentando o prazo para o 5G entrar em operação.

Num mundo normal a escolha seria rápida e sem pensar duas vezes. A questão é que, como sabemos, não vivemos num mundo normal.

Os americanos argumentam que a Huawei está envolvida em atividades de espionagem para o governo chinês e que por isso a escolha brasileira terá que ser estratégica, e não apenas econômica ou técnica. E chineses argumentam que isso é falso, que Estados Unidos querem manter o Brasil em sua dependência econômica e que os americanos é que vêm espionando o Brasil há anos. Os dois tem razão.  

Acresce que a nossa extrema direita, como sempre ecoando a estupidez Trumpiana, considera a China como a própria encarnação de Satanás, enquanto vê os Estados Unidos como muy amigos. Finge esquecer o escandaloso caso de grampeamento de nosso governo, feito pelos americanos há poucos anos. E para botar mais lenha na fogueira, o vice Mourão, irritando Bolsonaro, declarou que o Brasil não irá banir a Huawei das redes 5G do país.

O pano de fundo dessa disputa é a guerra comercial e ideológica entre as duas maiores potências econômicas  do planeta, cada vez mais declarada e acirrada. E a disputa pelas redes 5G é uma batalha importante. China e Estados Unidos sabem que essa escolha será essencial para definir a proeminência dos dois países no futuro cenário global. Estados Unidos lutam para manter o que já tem. China luta para conquistar o que quer ter.

Se o Brasil quiser mesmo se livrar da dependência tecnológica dos países do primeiro mundo precisará correr atrás do prejuízo – imenso - incentivando e apoiando maciçamente aqui a ciência, tecnologia, conhecimento, estudo, pesquisa, e fazendo investimentos pesados em áreas de ponta, permitindo que sejam desenvolvidas no país alternativas que nos permitam um dia ficar livres da dependência estrangeira. Mas isso é tudo que não vemos acontecer no Brasil.  

O futuro previsto por George Orwell não chegou em 1984 mas parece que não irá demorar muito. A única diferença em relação ao livro é que países não serão Oceania, Eurásia e Lestásia. Serão China, Estados Unidos e União Européia. 

Quanto à escolha brasileira do 5G, seja ela qual for, enquanto permanecermos dependentes dos outros, não nos restará alternativa senão aceitar as represálias do país derrotado. 

 

 

Publicado em 14.08.2020