Interpretações?

 

1969: Como lembrou Carlos Orsi num artigo recente sobre manipulação de fatos, "naquele ano, um executivo anônimo de uma fabricante de cigarros dos Estados Unidos redigiu um memorando de nove páginas com o título Tabagismo e Saúde: Proposta. O problema a enfrentar era as pessoas saberem que tabaco causa câncer. O memorando é histórico porque contém a quase poética frase dúvida é nosso produto. Menos conhecida é a conclusão do raciocínio: a dúvida é o produto porque é o modo de estabelecer uma controvérsia".

2022: Um método frequentemente usado por extremistas e negacionistas para defender suas crenças é usar o pretexto da controvérsia ou da interpretação diferente. Como se vê, quase nada mudou de 1969 para cá. A única diferença é que se naquela época as pessoas tentavam dissimular a mentira, agora, sob a inspiração e exemplos do pior presidente que o Brasil já teve, sentem-se à vontade para, usando o álibi da interpretação diferente, plantar dúvidas, distorcer fatos, dar enfoque a teorias mentirosas, manipular dados, difundir desinformação e pavimentar pouco a pouco o caminho do retrocesso. É um método de aparência respeitosa e de fala mansa, mas que embute os mesmos perigos do ovo da serpente.

Questionar verdades exaustivamente demonstradas, tomando como base critérios interpretativos e ideológicos é inaceitável. Não há como ter interpretação diferente a respeito de cigarros causarem mortes. Nem sobre a Terra ser esférica. Nem sobre os horrores do holocausto. Nem sobre o nazismo. Nem sobre o aquecimento global. Nem sobre mais armas levarem a mais mortes. Nem sobre vacinas salvarem vidas.

Como disse o filósofo austríaco Karl Popper, em 'O Paradoxo da Tolerância', a tolerância ilimitada com a intolerância, pode, no limite, levar à extinção da própria tolerância.

Quem defende conceitos de interpretação diferente para questionar o inquestionável precisa ser denunciado, desmascarado e combatido sem meias palavras. Da mesma forma que combatemos um vírus mortal.

Antes que a serpente saia do ovo.

 

 

Publicado em 09.04.2022