O Dilema das Redes

 

Há alguns dias eu falei sobre o documentário O Dilema das Redes (The Social Dilemma, na versão original), e disse apenas: Assistam. Como o documentário está dando o que falar e foi motivo de várias outras crônicas, eu decidi voltar ao assunto.

O Dilema das Redes desvenda a lógica dos algoritmos que controlam as redes sociais e como eles influenciam nossas vidas, mesmo sem sabermos. O filme foi feito com depoimentos dos mesmos engenheiros de programação que construíram estes algoritmos em grandes corporações de mídia social, como Google, Facebook, Twitter, Pinterest e outras, e que, melhor que ninguém, conhecem o sistema por dentro.  

Estas pessoas, em dado momento, perceberam que a ideia inicial das redes sociais, originalmente aproximar pessoas, fazer amizades etc, tinha ficado para trás e seu objetivo tinha passado a ser gerar lucro, a qualquer custo.  

Para conseguir isso era essencial aperfeiçoar cada vez mais os algoritmos, transformando-os em entidades dotadas de inteligência artificial, capazes de nos conhecer a fundo. Rastreando nosso hábitos os algoritmos passaram então a saber o que gostamos ou não gostamos, o que pensamos, quais assuntos no interessam, o que acreditamos, quais assuntos nos atraem, qual é nossa ideologia, nossas simpatias e antipatias, o que nos dá prazer etc. De posse dessas informações eles passaram então a chamar nossa atenção, e acionar gatilhos em nossas mentes.

Seria assustador se ficasse só nisso, mas não fica. Usando esses gatilhos os algoritmos passam a induzir emoções e gerar atitudes em cada um de nós.

Não é teoria da conspiração. É real. E está acontecendo.

Um post simpático, por exemplo, gera likes, alguns comentários e coraçõezinhos, mas fica só nisso. Um post polêmico tem o potencial de criar debates, multiplicar-se, gerar comentários, ser repostado e atingir um número muito maior de pessoas, viralizando.

A lógica dos algoritmos é manter as pessoas online o maior tempo possível, envolver cada vez mais gente e atrair mais seguidores. Quanto mais pessoas online maior será o potencial de lucro. E se neste processo ocorrerem brigas e amizades forem desfeitas não há problema. Para os algoritmos isso é apenas dano colateral.

Mas amizades desfeitas são apenas a ponta do iceberg. Uma adolescente que poste uma foto sua no Instagram, fica, ato contínuo, à espera das reações. Quanto mais likes e elogios ela tiver, mais irá se sentir gratificada. É a mesma lógica das slot machines de Las Vegas. Cada vez que o jogador insere uma moedinha vê as luzinhas brilharem e a musiquinha tocar, enquanto torce para ganhar o grande prêmio. O jogador será sempre tentado a jogar novamente, porque acha que da próxima vez ganhará. Na mente da adolescente, as luzinhas e a música são seus likes. E o grande prêmio será superar seu recorde de likes. E também ela sempre tentará de novo. É a lógica da tentativa e gratificação regendo as duas pessoas.   

Por outro lado, se a adolescente receber uma resposta agressiva de algum hater ou pessoa invejosa, poderá se sentir chocada e insegura, e até mesmo ter sua autoestima abalada. Mas isso também é apenas dano colateral.

Mas é em outros campos que a coisa fica pior. Algoritmos mostram em nosso feed o que queremos ver. Se você acredita que a Terra é plana, sua rede social lhe mostrará dezenas de posts demonstrando como ela é realmente plana e explicando porque os que pensam diferente estão errados. A realidade em volta é irrelevante.

Se você acredita em Bolsonaro verá em sua rede social dezenas de posts afirmando que ele é democrata, cordial, bem intencionado, justo, honesto e sincero, exatamente o contrário de todos os outros políticos. Também aqui a realidade em volta é irrelevante. 

O quadro geral é preocupante e apenas agora começa a surgir consciência sobre o imenso poder que as redes sociais têm sobre nossas mentes e atitudes, sobre populações inteiras e governos e, principalmente, sobre as consequências que daí podem advir.    

Mas a questão é que esse é um caminho sem volta. As redes sociais vieram para ficar, e nós vamos ter que aprender a viver com elas de outra forma.

Assista O Dilema das Redes, na Netflix. E reflita sobre isso

 

 

Publicado em 25.09.2020