Meu inglês até que é bom, mas a gente está sempre aprendendo alguma coisa. Nos últimos dias aprendi uma palavra nova: Pimp. Não conhece? Vou dar uma dica: Ela está sempre associada à palavra Hooker. Agora acendeu uma luzinha né? Isso mesmo, Pimps e Hookers: cafetões e prostitutas. E estou usando essas palavras porque elas são as verdadeiras protagonistas da série The Deuce, que está em cartaz na HBO. Na verdade esse é o tipo de série que só poderia ser apresentada pela HBO. Só ela tem coragem para isso.
Esqueça todos os filmes que você já viu sobre o submundo de NYC. Esqueça Taxi Driver e Edmond. Se À procura do Soldado Ryan mostrou o desembarque do dia D sem maquiagens, The Deuce mostra sem maquiagens o Inferno de Dante que era a região de Times Square nas noites dos anos 70 do século passado.
A trama é pesada, trata do mundo da prostituição e do surgimento da indústria do cinema pornô nos Estados Unidos. Entram em cena a degradação humana, o vício, a subjugação, a violência e a exploração desmedida do ser humano. Algumas cenas chegam a ser chocantes de tão explícitas e em alguns momentos fiquei nauseado, e com vontade de dar um stop, mas não consegui.
A questão é que a história é tão bem contada, tão cativante, prende tanto a atenção, que é quase impossível mudar de canal. Alguns dos personagens são cafetões aliciando moças recém chegadas à cidade grande, a mãe solteira que precisa fazer dinheiro para sustentar o filho, a menina do interior que toda família pensa que trabalha como modelo em NYC, o jogador inveterado, e ainda a corrupção policial, as máfias italiana e irlandesa extorquindo, ameaçando e espancando. Até aí nada de novo, você vai dizer, mas o diferencial da série é o hiper realismo que ela traz.
No episódio piloto, por exemplo, uma prostituta pratica felação num cliente dentro de uma cabine telefônica de rua e o objeto onde ela trabalha é visto rapidamente em 'estado de animação'. Quando vi a cena achei que tinha me enganado e o objeto não podia ser o que pensei. Mas era. Não sei como fazem (é tudo falso), mas é muito real. E impactante, como dá para imaginar.
As opiniões tem se dividido, e enquanto alguns consideram a série chocante, outros a consideram corajosa, por abordar de forma tão clara um tema antigo, controverso e sem solução. E não tem como não sentir pena daqueles personagens miseráveis vivendo vidas miseráveis, enquanto ao mesmo tempo nos sentimos um pouco culpados por saber que na vida real tanta gente vive essa vida miserável, enquanto nós preferimos dar de ombros e fingir que nada daquilo existe.
The Deuce traz em destaque James Franco em papel duplo (representa gêmeos), Maggie Gyllenhaal irreconhecível no papel de uma prostituta que se recusa a aceitar a proteção de um cafetão, o britânico Gary Carr que faz sumir o sotaque inglês e dá um show no papel do simpático/perigoso cafetão CC e a ex-ginasta russa Margarita Levieva como a menina de família rica que decide mudar de vida.
A reconstituição dos anos 70 é perfeita em cada detalhe e merece destaque também a técnica que permitiu aos 'gêmeos' atuarem juntos. Embora o recurso já tenha sido usado em diversas produções, aqui a técnica atinge um novo patamar. Por tudo isso, e também pelo enredo corajoso, reconstituição de época e desempenho do elenco, esta é uma série que já desponta como séria candidata ao Emmy.
The Deuce. Será que você consegue encarar?
Publicado em 29.10.2017