A gente é aquilo que fala? Ou a gente fala aquilo que é? Aprendi desde pequeno que só devemos dizer algo quando vale a pena ser dito e meus pais sempre me lembravam que em boca fechada não entra mosca. Acho que por isso eu passava a maior parte do tempo com a boca fechada, ouvindo os adultos conversarem enquanto eu vigiava as moscas. E nos anos 60 do século passado, na pequena Canoas onde eu morava, moscas eram tão comuns quanto nuvens no céu.
Não sei se por causa daquelas recomendações ou por causa das moscas, acabei me tornando uma pessoa que não é de falar muito, o que já me trouxe alguns problemas. Por outro lado, não falar muito tem suas vantagens, sendo que algumas delas são dizer menos bobagens, poupar os ouvidos alheios e diminuir a probabilidade de se arrepender por coisas ditas sem pensar.
Admiro pessoas que dominam a arte da conversação, aquelas hiperdotadas capazes de passar horas conversando animadamente com uma porta, e ainda mais, fazendo a porta se interessar pelo que elas tem a dizer. Acho que a conversação agradável, divertida e interessante é uma arte e quem a domina devia dar aulas para ensinar aos outros como fazer. Principalmente para os chatos que pensam estar agradando com suas conversas intermináveis, sempre em alto volume e recheadas de palavrões.
Atualmente, em qualquer momento de qualquer lugar a palavra que mais se ouve em conversas por aqui é o famoso c******. Não tenho nada contra essa importante parte da anatomia masculina e sempre nos demos bem, mesmo assim não entendo por que seu nome virou cult de uma hora para outra e usá-lo no meio de uma frase faz a pessoa ser bem vista por seus pares. Estranhos tempos.
Para mim o palavrão desnecessário é a forma verbal do pum. É o pum falado. A primeira e óbvia diferença entre esses dois tipos de pum é que eles são expelidos por diferentes partes do corpo. E a segunda diferença é a forma como se apresentam. O pum olfativo é fedorento e tonteia quem está por perto. É silencioso e não tem pai. Ninguém sabe de onde veio e seu autor prefere morrer a admitir o crime. Já o pum falado é uma obra autoral, dito com todas as letras, sempre em alto volume e que enche de orgulho seu autor.
Soltar um pum falado numa roda de conversas geralmente enche de orgulho seu autor. Demonstra firmeza de opinião, força, caráter e equilíbrio emocional. Estranhíssimos tempos.
Diz-se que quando alguém precisa apelar a um palavrão para defender suas ideias é porque suas ideias não tem mais defesa. Não se trata de puritanismo nem nada, mas a questão é que o português é uma língua tão rica, com tantas possibilidades de expressão para praticamente tudo, que – a não ser no caso de marteladas no dedo ou topadas com o dedinho do pé, situações em que o uso do palavrão é clinicamente e comprovadamente recomendado para aliviar a dor – o pum falado é simplesmente desnecessário.
Existem diversas teorias e correntes de pensamento, algumas delas milenares, que afirmam que a forma como agimos e nos expressamos trazem consequências diretas para tudo que acontece em nossas vidas. Algumas dessas linhas de pensamentos são religiosas enquanto outras são filosóficas, mas o que elas têm em comum é a afirmação que somos responsáveis por tudo que acontece com nós mesmos. Em tese isto poderia ser resumido como a Teoria do Ímã. Essas teorias afirmam que o que pensamos e falamos são determinantes para atrair ou repelir coisas positivas ou negativas. Pensamentos e linguajar positivos atraem coisas positivas. Pensamentos e linguajar negativos atraem coisas negativas.
Independente de qualquer aspecto religioso ou filosófico, isso faz todo sentido.
Assim como alimentação saudável e exercícios adequados comprovadamente ajudam a proporcionar equilíbrio físico ao corpo humano, a mente e suas diversas formas de expressão - o que inclui atitudes, pensamentos e linguajar - são determinantes para o equilíbrio interno e para nosso próprio bem estar.
Mas infelizmente isso não é tão fácil de constatar como uma eventual dor de barriga causada pela feijoada ingerida uma hora atrás. A percepção do que fazemos a nós mesmos, em planos mais sutis da mente e do comportamento, demanda maior atenção às nossas atitudes rotineiras. E enquanto não conseguirmos atingir este nível de consciência, prosseguiremos soltando pums falados e pums mentais de vários tipos, sem entender a razão pela qual tantas coisas parecem não dar certo em nossas vidas.
Publicado em 24.02.2019