Foi com tristeza que soube do fechamento do Hotel Novo Mundo. Nunca me hospedei lá, mas tenho uma relação traumática com esse hotel.

Numa noite dos anos 70 do século passado, meu voo chegou no aeroporto do Galeão às duas da madrugada. Após pegar as malas combinei com duas pessoas que tinham chegado no mesmo voo rachar um táxi, já que nossos destinos ficavam na mesma direção. O primeiro deles ficou num hotel de uma ruela qualquer do centro antigo do Rio, um lugar ao qual eu nunca saberia voltar. Depois que ele desceu, seguimos os dois, e meu colega de taxi desceu no hotel Novo Mundo, no Flamengo. Ele pegou sua mala, nos despedimos e o taxi seguiu até minha residência, em Botafogo.

Quando cheguei em casa, desci, paguei o táxi, agradeci ao motorista, peguei a mala, subi até meu apto, entrei, fechei a porta e botei a mala no chão. E somente então percebi que aquela não era a minha mala.

Era idêntica, mesma cor, mesmas dimensões, mesmo tudo, mas não era a minha.

Quase surtei. Já que quando eu saí do aeroporto ainda estava com ela, a mala só poderia ter sido pega, por engano, por um de meus dois companheiros de táxi. Mas qual? Torci para que fosse o que ficou no hotel Novo Mundo, porque o outro eu não tinha a menor ideia de onde tinha ficado, e muito menos como voltar lá.

Peguei o carro, e às três da madrugada dirigi às pressas, quase como louco, até o Novo Mundo, rezando para a mala estar lá. Quando cheguei todos na recepção já sabiam sobre a troca de malas, estavam à minha espera e me conduziram ao quarto de meu preocupado amigo. Ele estava branco como cera e ainda mais desesperado que eu. Pediu mil desculpas, disse que tinha vindo ao Rio a trabalho e tudo que ele precisava estava em sua mala. Trocamos de malas, os dois aliviados e felizes e eu voltei para casa, tonto de sono.

Daquele dia em diante passei a colocar em todas as minhas malas etiquetas e fitas coloridas com nome, endereço e telefone, por dentro e por fora.

Quem viaja muito, frequentemente tem boas histórias para contar sobre os hotéis onde se hospeda. Sabe que eles se transformam em extensões de nossas casas. Todos eles nos marcam e deixam lembranças, boas ou más. Existem hotéis que torcemos para um dia poder voltar e hotéis que só de pensar em passar em frente já nos sentimos mal.

Quando nos hospedamos muitas vezes no mesmo hotel, ficamos conhecendo quem trabalha lá, fazemos amigos, somos tratados como pessoas da família, conhecemos o menu do café da manhã, os melhores pratos, quais são os quartos melhores, quais tem a melhor vista, quais quartos são mais silenciosos e quais devem ser evitados. E às vezes temos até a sorte de neles conhecer pessoas que passam a fazer parte de nossas vidas. Se um bom hotel já é meio caminho andado para se gostar de uma cidade, o contrário também é verdadeiro.

Esta semana tive outra notícia triste, também relacionada a um hotel. O Ibis Euston, onde eu e minha mulher nos hospedamos tantas vezes em Londres durante os anos 90, e que é sempre associado às minhas primeiras viagens à Inglaterra, vai ser demolido para permitir a expansão de uma estação de trens. Esse é outro hotel que me marcou. Nunca vou esquecer de seu quarto minúsculo e da falta que fazia uma geladeira, o que nos obrigou a improvisar uma solução para manter queijos, presuntos e bebidas geladinhas.

Improvisamos um saquinho, preso a uma corda e todas as noites o saquinho era pendurado do lado de fora da janela do quarto, com tudo que a gente queria manter refrigerado. Como as temperaturas na cidade eram muito baixas na manhã seguinte, quando a gente içava o saco, tudo estava geladinho, como se tivesse passado a noite no freezer.

Felizmente a corda que prendia o saco na janela nunca arrebentou, caso contrário poderíamos ter um sério problema com quem passava na calçada lá embaixo. E problemas ainda maiores com a gerência.

A verdade é que quando um hotel conhecido fecha as portas, é como se um pouquinho da gente também deixasse de existir. Menos mal que eles nos deixam lembranças, e estas ficam para sempre.

RIP Hotel Novo Mundo. I will miss you Hotel Ibis Euston.

 

 

 

Publicado em 16.03.2019