Durante o período da 2a guerra mundial, quase todos que pensam na Alemanha nazista a imaginam como um país inteiramente tomado por fanáticos seguidores de Hitler, mas não era bem assim.
Mesmo no ninho da serpente havia alemães que lutavam contra aquela ditadura opressora, e essa luta podia consistir em distribuir panfletos, trabalhar mais devagar nas fábricas de munições, ou divulgar notícias dadas por rádios de outros países (ouvir transmissões de rádio de países inimigos era crime). Tudo isso era extremamente arriscado e os que fossem pegos eram mandados para campos de concentração ou condenados à morte por traição à pátria.
Após a guerra, os arquivos da Gestapo, a temida polícia política nazista, foram abertos e casos verídicos foram selecionados e entregues a autores alemães selecionados, para que essas histórias mostrassem que nem todos na Alemanha haviam sido nazistas.
Coube ao escritor alemão Hans Fallada contar a história do casal alemão Otto e Elise Quangel. A luta dos dois contra o regime consistiu em escrever e distribuir dois cartões postais por semana, incentivando alemães a boicotarem o regime. Eles foram presos e condenados.
Hans Fallada foi o pseudônimo adotado pelo alemão Rudolf Ditzen, que trabalhou como jornalista e publicitário a partir dos anos 30, quando ocorreu a ascensão do nazismo. Sua relação com o nazismo foi dúbia, e enquanto alguns de seus textos agradaram o regime, outros foram vistos com desconfiança. Hans Fallada escreveu vários livros e obteve sucesso de público, mas, por ser um homem problemático, alcoólatra e viciado em drogas, caiu em desgraça e acabou internado num hospício nazista.
Seu livro Morrer Sozinho em Berlim (Jeder Stirbt für sich Allein, no original em alemão), lançado agora pela Editora Liberdade, foi escrito em menos de um mês, e é considerado uma obra prima. Foi um best-seller mundial e adaptado para o cinema.
Em seu livro, Hans Fallada tomou como base os arquivos liberados e acrescentou elementos fictícios, de forma a dar vida novamente ao casal Quangel, criando a história de pessoas normais tentando levar suas vidas numa época anormal. Ele consegue transmitir, como alguém que vivenciou o mundo nazista, o dia a dia de desconfianças, medos, intimidações e tiranias que estavam presentes em cada lugar da Berlim nazista.
Aos poucos a vida de Otto e Elise (que teve o nome mudado para Ana no livro) nos é apresentada, bem como a de seus conhecidos, suas rotinas, diversões e obrigações, num mundo asfixiante onde pensar diferente era punido com a morte.
O livro tem 600 páginas e eu ainda estou na 200, mas quanto mais leio mais quero devorar o que falta. E enquanto leio penso como um homem tão problemático, doente e de vida tão tumultuada foi capaz de escrever uma obra tão arrebatadora e impactante.
Publicado em 04.06.2019