Até que ponto fazemos nossa própria cabeça? Até que ponto outros a fazem? E até que ponto sabemos diferenciar entre uma coisa e outra? Esse é o tipo de pergunta que se presta a mil situações, desde o time de futebol pelo qual torcemos até as nossas mais profundas convicções.
Somos influenciados por muitas pessoas desde o dia em que nascemos, e muitas vezes aquilo que gostamos e acreditamos é apenas consequência dos ensinamentos que foram colocados em nossas mentes e corações pelos pais, amigos ou professores, através de inúmeras repetições e exemplos ao longo dos anos, tal como um mantra ou uma lavagem cerebral, até chegarmos ao ponto que aquilo passa a ser uma verdade inquestionável e absoluta. E muitas vezes nem temos consciência disso.
Não estou me referindo às leis que regem o universo nem à confiabilidade dos bitcoins, mas sim a coisas bem mais prosaicas.
É comum filhos torcerem pelo mesmo time de futebol do pai, influenciados por ele. O mesmo acontece com profissões. E muito frequentemente também com religiões. Mas na verdade eu estou me referindo ao consumo de maconha.
Como muitos de minha geração, eu cresci num mundo onde maconha era vista como sinônimo de um vício condenável, sempre associado a traficantes e crime. Algo impensável em qualquer pessoa de bem. Aí a gente abre o jornal e lê que, apenas nos Estados Unidos, 22 estados já liberaram seu consumo, e em todos eles a criminalidade ligada às drogas diminuiu, as prisões estão menos cheias, e a polícia pode dedicar seu tempo à caça dos verdadeiros criminosos.
Fiquei sabendo também que, no campo da medicina, produtos derivados da maconha trazem alívio para doenças graves, evitam convulsões e sofrimentos impossíveis de serem tratados com medicamentos tradicionais, e também tem possibilitado a regressão de casos até agora considerados incuráveis. E aí? Como é que fica a cabeça da gente nessa hora?
Meus pais estavam errados no que me ensinaram? Eu estava cego e fui preconceituoso? O mundo e o conhecimento evoluem?
Nunca tive atração por drogas de qualquer natureza, e continuo sem ter. Nunca fumei, cheirei, aspirei, piquei nem nada do gênero. Na verdade, sempre tive total aversão à mais prosaica das drogas, e não foi por falta de oportunidade. Lembro que uma vez, assistindo um show de rock, vinha passando de mão em mão aquele tradicional baseado, e quem pegava dava uma tragada e o passava para o vizinho ao lado. Mas quando ele chegou às minhas mãos eu o passei direto para o meu vizinho. Não tinha ninguém conhecido ao meu lado e eu poderia ter feito o que quisesse que ninguém nunca ia ficar sabendo. Mas eu não queria, não gostava, e até hoje estou convencido que fiz a coisa certa.
Pois é, sempre fui um caretaço.
Não estou defendendo o consumo indiscriminado da maconha, e muito menos pretendo me converter em usuário. Meus pais me educaram de acordo com o que acreditavam ser certo na época, e eu tenho procurado seguir por esse caminho. Mas, como ser pensante que sou, e razoavelmente aberto a novas ideias, não tenho como evitar um pensamento perturbador: O de que certas coisas que considero verdades absolutas podem não ser.
E ter este insight em relação a algo tão trivial como maconha, me faz ter outro pensamento ainda mais perturbador: Sobre quais outros temas, realmente importantes, eu necessito rever meus conceitos?
Sobre quais temas, relacionados, por exemplo, a outras regiões do país, ou a outros países, ou raças, sexualidade, fé, profissões, crenças, artes, atividades e tantos outros, eu estarei equivocado e nem desconfio? Você já pensou nisso? No que pode estar equivocado e nem desconfia?
Ou você acha que não está equivocado sobre nada?
Publicado em 23.01.2020