Há algum tempo um amigo me enviou uma mensagem 'comprovando' que os negros haviam sido os grandes responsáveis pela escravidão. Segundo o texto, a raça branca teria sido apenas uma quase inocente coadjuvante daquela vergonhosa época.
Meses depois esse mesmo amigo enviou outro texto 'demonstrando' como o feminismo havia estragado as mulheres, lhes privando da feminilidade e lhes desviando de suas principais atribuições: cultivar o corpo, a aparência e cuidar da casa.
Sim, você acertou, esse amigo é bolsonarista raiz.
Essas são pautas frequentes da direita radical e por mais absurdas que sejam essas premissas, muitos as levam a sério, defendem, divulgam e até mesmo forjam 'evidências científicas' para defender esses esdrúxulos argumentos. Mas não se tratam de idiotas irresponsáveis, antes fossem. Vivemos, não apenas no Brasil, mas em vários países, um movimento de retorno a conceitos arcaicos, fanatismo político, questionamento de valores e inconformismo com mudanças.
É assustador constatar que, na segunda década do século 21, ainda tenhamos que presenciar, escutar e ler pessoas defendendo teses que já deveriam estar sepultadas há muito. Neste particular o movimento bolsonarista é como uma reencarnação piorada do integralismo, movimento que vigorou no Brasil durante os anos 30 do século passado, arrebanhou dezenas de milhares de adeptos e tinha por lema Deus, Pátria e Família. Na fachada muito nobre, nas entranhas podre. Como dizia minha avó: Sempre que um político falar em Deus desconfie.
Mensagens como a enviada por meu amigo e partilhadas nas redes bolsonaristas, estão repletas de distorções da história e dados científicos, inconformismo com igualdade de gêneros, repulsa pelas artes, culto às armas, desdém por cultura, preconceito racial, ódio por sistemas democráticos e desinformação escancarada. Vale tudo quando o objetivo é implantar o retrocesso.
Nosso presidente não é o criador de nada disso, ele nunca teria essa capacidade. Ele é apenas a voz que catalisa as crenças de muitos brasileiros que em alguns pontos, ou até em todos, pensam exatamente como ele. É como se houvesse uma ânsia em ver surgir aqui um Talibã tropical, para implantar o que essas pessoas vêem como moralidade, verdade, a ordem natural das coisas e as leis de Deus. E como se Bolsonaro fosse o Mulá que finalmente derrotará os infiéis.
Bolsonaro um dia vai passar, mas mesmo após sua partida essas crenças vão continuar vivas na cabeça de muita gente, à espera de um novo Mulá para lhes dar voz. A grande vantagem do governo Bolsonaro é que ele serviu para expor de forma escancarada, o Brasil retrógrado e perverso que não sabíamos existir.
O Brasil não é o Afganistão, os negros não são culpados pela escravidão, as mulheres não foram estragadas pelo feminismo, a ciência não vai ser desvirtuada e as mentiras não vão prevalecer.
Mesmo assim, os danos que o bolsonarismo tenta implantar são imensos, precisam ser levados a sério e combatidos com vigor
Publicado em 27.08.2021