Todas as cidades têm seus recantos curiosos, e no Rio de Janeiro um de meus preferidos é a Ladeira que Leva a Lugar Nenhum. Ela fica perto de meu trabalho, e volta e meio passo em frente e fico imaginando se vale a pena subir. Quem sabe, penso eu, lá não existe Algum Lugar?
Ela é o único trecho remanescente do Morro do Castelo, demolido em 1922 para permitir a expansão do centro do Rio. Isso mesmo, demolido. Falar na demolição de um morro é muito estranho em nossos dias, quando mais do que nunca as pessoas estão atentas à preservação dos bens naturais, mas na época ninguém se preocupava muito com isso.
As razões alegadas para sua demolição foram que aquela região havia se transformado num amontoado de ruelas e casebres insalubres, e que o morro impedia a circulação de ar e o crescimento da cidade. Difícil de acreditar.
A cidade do Rio surgiu no Morro do Castelo. Ele foi o local escolhido, na 2ª metade do século XVI, para fundar a nova cidade, e o local escolhido não foi por acaso. Fundar uma povoação no alto de um morro significava deixá-la ao abrigo das investidas dos franceses, que também andavam de olho nestas terras e já tinham dado muito trabalho aos portugueses. No Morro do Castelo foram construídas as principais edificações da nova cidade, incluindo a Casa do Governador, a Casa da Câmara e diversas igrejas.
E qual era o principal acesso ao Morro do Castelo? Ganha um pastel de nata quem descobrir. Sim, era exatamente pela Ladeira que Leva a Lugar Nenhum, que na época levava mesmo a algum lugar, e era conhecida pelo nome de Ladeira da Misericórdia.
A Ladeira da Misericórdia foi a primeira via urbana do Rio de Janeiro, ou em outras palavras, a primeira rua a ser construída na cidade, o que em termos históricos não é pouca coisa. Ainda assim, ninguém se preocupou com isso, o morro foi demolido e a ladeira decepada pela metade, transformando-se numa via que leva a lugar nenhum.
Hoje a ladeira permanece lá, quase esquecida e abandonada, atrás do antigo prédio da Santa Casa, e poucas pessoas que passam em frente desconfiam de seu passado glorioso e de sua importância histórica.
Sempre que passo nesse local paro em frente por alguns instantes, e fico como um maluco olhando para cima, tentando imaginar como seria aquela ladeira em seus tempos de glória, com suas madames perfumadas, escravos carregando cestas na cabeça, oficiais de cavalaria com chapéus emplumados e crianças seminuas brincando pelas ruas.
Dia desses acho vou tomar coragem e subir a Ladeira que Leva a Lugar Nenhum para tentar descobrir o que existe lá em cima. Talvez eu me decepcione e não encontre mesmo nada. Mas se por acaso eu descobrir que ela é na verdade uma Ladeira que Leva a Algum Lugar eu prometo que voltarei para contar.
Não dizem que existem portais que nos levam a lugares do passado? Quem sabe ela não é um deles?
Publicado em 30.01.2018