Renner e Guaspari

 

Na Porto Alegre dos anos 60 do século passado, onde cresci, existiam duas lojas importantes, a Renner e o Guaspari. Não havia quem não as conhecesse e gostasse de ir lá. A Renner tinha sua única loja em frente à praça Otávio Rocha, onde vendia roupas de confecção própria, fabricadas num subúrbio próximo. E o Guaspari tinha a sua na avenida Borges, a pouca distância. Eram concorrentes.  E eram ambas lojas conceituadas.

O que a Harrods representa para os ingleses, ou a Galerie Lafayette para os franceses, a Renner e o Guaspari representavam para os gaúchos. A Renner havia sido fundada em 1922, pelo neto de imigrantes alemães.  E o Guaspari tinha surgido alguns anos antes, fundado pelo filho de um alfaiate que imigrou da Italia.

Minha infância está repleta de lembranças das duas. Vez por outra meus pais iam ao centro de Porto Alegre a passeio e me levavam junto, e esse evento era para mim uma festa.

Lembro que no Guaspari (ou era na Renner?) havia um salão de barbeiro para crianças e os assentos eram na forma de bichinhos. Tinha o Pato Donald, o Mickey, e tinha também um cineminha onde eram exibidos desenhos da Disney. Programão. Na  época não havia criança que não adorasse cortar o cabelo, desde que fosse na Renner (ou era no Guaspari?).

Bom,  aí o tempo passou, e cada uma das lojas tomou caminhos diferentes. A Renner cresceu, se espalhou pelo país inteiro e virou grife conceituada. Enquanto isso, o Guaspari sofreu um incêndio, não conseguiu se recuperar e faliu. Por décadas o prédio da Guaspari ficou semiabandonado no centro de Porto Alegre, como um esqueleto insepulto, assombrando quem passava por ali.

Pois não é que ao voltar a Porto Alegre, caminhando pelo centro, tive uma das melhores surpresas da minha vida? Descobri que o prédio do Guaspari foi recentemente restaurado e passou a abrigar uma nova loja de departamentos. Fui lá no final da tarde, depois do trabalho e com que emoção entrei de novo naquele prédio e fui até sua cobertura, onde agora funciona um agradável café.

Não encontrei mais o salão de barbeiro para crianças com seus assentos em forma de bichinhos. O que eu encontrei foi uma loja moderna e dinâmica, onde apenas a fachada tinha sido preservada. E mesmo sentindo a falta de certas coisas, encontrei em compensação algumas lembranças que eu já considerava perdidas.

Mas o principal é que do terraço daquele café na cobertura pude ver minha cidade de um novo ângulo, e confirmar como ela continua bonita.

 

 

Publicado em 30.08.2017