Amigos para o que Desse e Viesse

 

Eram amigos para o que desse e viesse. Os cinco viviam juntos para lá e para cá, nas aulas, nos recreios, nas festinhas, na praia, no cinema, nas bagunças, nas brincadeiras e nas paqueras. Levavam broncas dos professores, eram suspensos, levavam anotações nas cadernetas e tinham que levar para os pais assinar. Às vezes se metiam em confusões e precisavam sair correndo. Iam a bailes no Canecão, na sede do Botafogo ou onde quer que houvesse uma festinha. Conheciam todos os sucessos do The Mamas & the Papas, Herman's Hermits e Tommy James and the Shondells.

Morriam de vergonha na hora de tirar uma menina para dançar e às vezes era necessário levar um empurrão dos outros para atravessar o salão e ir até ela. Quando o baile era caro, pulavam o muro para entrar sem pagar e uma vez um deles quebrou o braço ao cair. Iam passear na Lagoa e não perdiam a Feira da Providência. Aos sábados tinha cinema e depois sempre um lanche no Bob’s (mixto quente ou sanduíche de ovo) ou então no Gordon (diabólico ou submarino). Por um tempo remaram na Lagoa todos os dias às 6 da manhã, até que um dia o barco foi atropelado numa raia de corrida e quase afundou.

Lutavam capoeira, estudavam piano, tocavam violão, pegavam jacaré, formaram um banda que nunca fez sucesso, arranjavam carteira de estudante com idade falsa para entrar em filme de 18 anos e ficavam quase loucos quando na tela aparecia uma pontinha de peito feminino.

Namoravam, se apaixonavam loucamente, estudavam muito, às vezes nem tanto, trocavam confidências sobre o que não tinham coragem de dizer para os pais, torceram juntos na Copa de 70, fumavam mas nunca usaram drogas, tinham férias de três meses no verão e um mês no inverno, tinham respostas para tudo, soluções para quase tudo, mas também dúvidas sobre o futuro. O que iam ser, com quem iam casar e quantos filhos iam ter.

Estudaram juntos os quatro anos do ginásio e os três do científico e aqueles anos pareceram eternos de tão bons. Então chegou o momento de enfrentar o temido ritual de passagem, conhecido como Vestibular.

Estudaram dia e noite, e os professores dos cursinhos diziam que quem aparecesse 2a feira bronzeado de praia ia levar uns cacetes. Ir ao cinema nem pensar. Dois deles escolheram seguir carreira na área de ciências exatas, enquanto três optaram por ciências humanas. Depois de um ano em que quase ficaram loucos de tanto estudar veio a recompensa: Aprovados no vestibular. Foram para faculdades diferentes e passaram a se ver menos.

Tinham compromissos, estágios, namoradas sérias que depois viraram noivas. Se formaram e tiveram que correr atrás de emprego. Alguns casaram logo, outros não. Alguns tiveram filhos, outros não. E se mudaram, foram para outras cidades, foram para lá e para cá, foram carregados pela vida. E num mundo sem redes sociais perderam o contato e, com uma ou outra exceção, nunca mais se viram.

Um dia uma fada madrinha muito jovem e bela soube da história dos cinco rapazes e ficou comovida com aquela amizade pura, ingênua, sem interesses nem segundas intenções. E decidiu que tinha que reuni-los novamente. Correu atrás de nomes, telefones, endereços, pesquisou, procurou, pediu licença aqui e ali, foi lá e cá e conseguiu que os cinco se encontrassem virtualmente. Foi um grande progresso mas ainda faltava algo: O encontro, o momento em que aqueles cinco jovens, todos agora na casa dos sessenta, finalmente iam se rever. Mais cinco anos se passaram até que esse dia chegasse, mas ele finalmente veio.

E de repente lá estavam os cinco juntos novamente, rindo, brincando, chorando, brindando, falando e se abraçando como se o tempo não tivesse passado. Por fora eram outras pessoas, quase irreconhecíveis, mas por dentro eram exatamente iguais. E naquele dia, durante algumas horas, eles viveram momentos mágicos, exatamente como tinha planejado sua fada madrinha (que também apareceu lá). Mas o mais importante veio depois. Foi quando perceberam que entre eles nada tinha mudado.

E quando se deram conta que, mesmo que vivessem mais duzentos anos, nunca iam deixar de ser os mesmos. Eram amigos para o que desse e viesse.

 

 

Publicado em 21.09.2018