Em todos apartamentos e casas as luzes estavam acesas naquela noite, indicando que havia gente acordada. Mesmo assim, o silêncio era total. Não lembro que horas eram, mas sei que já era madrugada. Não lembro também qual era o canal, mas sei que todos estavam assistindo a mesma coisa.
Lembro de todos da família reunidos na sala, olhando fascinados para aquela telinha de TV preto e branco, encostada no lado de lá da parede, ao lado da janela, com imagem borrada e cheia de chuviscos, onde mal se conseguia distinguir alguma coisa. Mesmo assim dava para ver na tela uma haste branca, que parecia ser metálica, apoiada num solo aparentemente arenoso. Então apareceu na tela uma figura humana vestindo um macacão branco e descendo por aquela escada. Não tinha som, apenas uns bip bip estranhos, entrecortados por vozes em inglês, que a gente também não entendia.
Todos nós estávamos com a respiração suspensa, ninguém falava nada, nem piscava, nem desgrudava os olhos da televisão. De repente aquela figura humana deu um pulinho a partir do último degrau da escada para o chão e pronto. O homem tinha chegado à Lua.
Depois disso, lembro de minha avó poeta, em pé na sacada, naquela madrugada fria de julho, olhando o céu na direção do disco branco que iluminava a noite dizendo 'Parece mentira que eles estão lá'. Lembro de meu tio dizendo que aquilo era tudo falso e que era impossível o homem estar caminhando na lua. E lembro de minha tia, eufórica, dizendo que aquele era o início de uma era que iria mudar o mundo para sempre. E lembro de mim e meus primos, embasbacados com aquela transmissão vinda diretamente da lua, sem saber ao certo o que dizer ou pensar, mas conscientes que vivíamos um momento histórico.
Dizem que a gente nunca esquece onde estávamos no momento dos grandes eventos. Onde estávamos quando desabaram as torres gêmeas ou quando morreu Ayrton Senna ou quando o homem chegou à Lua. Deve ser verdade porque lembrei de tudo isso domingo, quando fui assistir 'O Primeiro Homem' que conta a história da Apollo 11. É um bom filme, e ao contrário de outros do gênero, não tem enfoque épico nem mostra Neil Armstrong como herói sobre-humano.
A história tem enfoque na vida pessoal e no relacionamento às vezes problemático do astronauta com sua mulher. O filme, em resumo, mostra Armstrong como uma pessoa normal, que foi escalada para uma missão que acabaria entrando para a história.
Dizem ainda que a história dá voltas, o que também deve ser verdade, porque muitos anos depois, em viagem aos Estados Unidos, tive chance de visitar o Mission Control Center da NASA em Houston, de onde foram transmitidas aquelas imagens para o mundo inteiro na noite de 20 de julho de 1969. E em outro momento estive frente a frente com o módulo de comando da Apollo 11, em exibição no National Air and Space Museum, de Washington DC. Foram duas estranhas sensações de Déjà Vu.
Por isso, se você tiver chance de assistir a chegada do Homem à Marte - quando ocorrer - nem pense em dormir cedo. Fique acordado e assista até o final.
Garanto que você vai lembrar desse momento para o resto da vida.
Publicado em 23.10.2018