Prédios

 

Prédios são como pessoas: Nascem, vivem e um dia morrem. Não, tá muito deprê, deixa eu começar de novo.

Prédios são como pessoas: Nascem, são festejados, ficam conhecidos, às vezes famosos, tem diferentes fases durante suas vidas, passam por alegrias e tristezas, escondem segredos e paixões, agregam muita gente em torno de si e se tornam importantes para muitas pessoas. Um dia envelhecem e acabam morrendo, mas nunca são esquecidos por quem teve sua vida em algum momento ligada a eles. Agora sim, ficou melhor.

Essas duas introduções alternativas foram apenas para falar sobre um prédio na Lapa, bairro histórico Rio de Janeiro, que eu não vi nascer, mas quase vi morrer.

Durante um período de minha vida, eu passava quase todos os dias em frente a ele, e morria de pena quando via seu estado de abandono. O prédio tinha sido bonito, ainda era possível constatar pelo que restava, mas agora estava transformado num escombro. As paredes estavam em decomposição, o teto havia desabado, as portas e janelas que ainda restavam na fachada estavam podres. Todo seu interior havia ruído e a única coisa que ainda se aguentava de pé era a fachada. Era evidente que ela não ia conseguir permanecer de pé por muito mais tempo.

E eu olhava de longe e percebia, mesmo à distância, que ele cheirava mal, era imundo e que por trás da fachada algumas pessoas, quase vultos, faziam coisas que não me pareciam nada saudáveis. O prédio estava morrendo, e o que se ouvia ali eram apenas os lamentos e ecos de uma Lapa distante. A questão era apenas quando aquilo iria desabar.

Para quem não sabe: Lapa, região histórica do centro do Rio. Seu símbolo são os Arcos da Lapa, aqueduto com 270 metros de extensão, 18 metros de altura e 42 arcos, construído em 1723 e que tinha como objetivo resolver o problema crônico da falta de água no Rio.

A Lapa, em sua fase áurea, foi um importante bairro da cidade, e lá moraram diversas personalidades, como Carmem Miranda, Machado de Assis e Villa Lobos. Com a modernização e expansão do Rio em outras direções, a Lapa foi abandonada, empobreceu e diversos prédios foram abandonados ou entraram em decadência. Virou um bairro associado à malandragem e prostituição.

De uns tempos para cá, porém, a Lapa se reinventou. Virou um bairro boêmio, com profusão de bares, restaurantes e vida noturna animada. Os casarões antigos ainda estão lá, diversos decadentes, mas muitos outros foram reformados, atraindo turistas durante o dia e boêmios durante a noite. Não dá para dizer que é um bairro familiar nem é um bairro que eu recomendaria para quem pretende se hospedar no Rio, mas para quem curte aspectos exóticos das cidades, a Lapa pode ser uma surpresa agradável e repleta de emoções.

Passei um bom tempo sem voltar à Lapa, mas um dia precisei atravessar o bairro novamente, e tive uma surpresa. Sabe aquelas pessoas que a gente passa um tempo sem ver, e quando encontra de novo quase não reconhece? Aquelas pessoas largadas e desleixadas que um dia aparecem deslumbrantes e bem vestidas? Pois foi mais ou menos assim.

As ruínas daquele prédio que estava quase morrendo, o antigo hotel Bragança, haviam se transformado no moderno Hotel 55.

Parei no meio da rua e fiquei olhando, meio em dúvida se eu não tinha me enganado de local, mas era ele mesmo. E ao ver minha expressão de assombro, o prédio parecia me olhar de volta, curtindo meu espanto e se divertindo com minha incredulidade.

Já vi restaurações deste tipo acontecerem em outros países, onde só a fachada é escorada e todo o interior é renovado. Preserva-se assim o que é possível do patrimônio histórico, mantém-se a aparência arquitetônica e cria-se, no interior, um ambiente adequado aos novos tempos, e às novas exigências e necessidades de nossa época.

Fico feliz quando vejo coisas desse tipo acontecendo. Num país como o nosso, de curta memória com sua história e pouco respeito por suas tradições, é sempre reconfortante ver ressurgir das cinzas, como uma Fênix, parte importante da memória de nossas cidades.

Estou torcendo para este novo hotel dar certo e ter vida longa. E já estou até pensando em entrar lá para tentar descobrir como tudo ficou por dentro.

Se conseguir, prometo que depois eu conto.

 

 

Publicado em 09.03.2018