Nunca consegui entender porque sandálias de dedo fazem tanto sucesso, principalmente entre gringos. São chumbregas, tem estilo zero, molengas, se intrometem entre o dedão e seu vizinho sem pedir licença, dobram por qualquer coisa, soltam a tira à toa, perfeitas para causar um acidente e principalmente ninguém, em sã consciência, pode dizer que elas têm um mínimo de elegância. Mesmo assim todo mundo usa, todo mundo quer e, só para dar um exemplo, aqui em Ipanema, onde existem dezenas de lojas fechadas desde que a crise começou, a da Havaianas faz o maior sucesso. É grande, bem decorada e vive cheia de turistas. Mal comparando, é como uma filial tropical da Hermès Paris.
Há muito tempo decidi comprar um par de sandálias de dedo para levar numa viagem ao exterior. E tomei essa decisão unicamente devido à falta de melhor alternativa, já que elas eram leves, maleáveis e ideais para quem não queria carregar malas pesadas nem pagar taxas por excesso de bagagem. Mesmo assim, seriam usadas só à noite e apenas no hotel.
Infelizmente não nos demos muito bem naquela viagem. Todas as vezes que ia calçar minhas sandálias tinha que me curvar todo e encaixar manualmente a tira entre o dedão e seu vizinho. E quando ia retirá-las elas nunca queriam sair, me obrigando a balançar os dois pés pra lá e pra cá diversas vezes até que elas finalmente compreendessem que não eram mais desejadas.
Lembro que no último dia de viagem, antes de fazer o checkout no hotel, foi com imenso alívio que coloquei o par de sandálias ao lado da cestinha de lixo do quarto, sem nem ao menos me dar ao trabalho de dizer adeus. Mas elas não se deram por achadas nem fizeram caso. Acho que é porque tinham certeza que assim que eu saísse do quarto, a camareira iria chegar lá, encontrá-las e ficar muito feliz com o presente que aquele generoso hóspede brasileiro tinha deixado de brinde.
Não sei de onde vem esta minha implicância com as sandálias de dedo, afinal elas não tem culpa de serem horríveis e de servirem apenas para ir à praia, mesmo onde não tem praia. Mas uma possível razão é que certa vez quando tinha onze anos prendi as minhas numa tampa de bueiro do prédio de minha avó, tomei um baita tombo, sangrei horrores e deixei na tampa metade de meu dedão esquerdo.
O mais curioso é que esta paixão pelas sandálias de dedo é universal. Já vi em shoppings super elegantes de Washington e Paris, lojas das Havaianas competindo em pé de igualdade (perdão pelo trocadilho), inclusive nos preços, com lojas de marcas e grifes famosas. E o detalhe é que essas lojas sempre têm decoração verde amarela e grandes painéis com a inscrição 'Havaianas' junto à entrada, exatamente da mesma forma como escrevemos essa palavra no Brasil.
Mais de uma vez tive vontade de entrar numa dessas lojas e perguntar para a vendedora: Você sabe o que significa Havaianas? O nome deste produto que é vendido aqui? E como a gringa com certeza responderia 'No' eu responderia: Hawaiian! It means Hawaiian, those who are born in Hawaii, the 50th American state. E iria embora deixando a vendedora gringa intrigada por que uma sandália feita no Brasil tem o nome do qüinquagésimo estado americano e é desejada pelo resto do mundo.
Sei que poucas pessoas vão concordar com meu ponto de vista sobre sandálias de dedo, afinal elas são um produto tipicamente brasileiro e que vive no pé e no coração de muita gente. Talvez eu não passe de um obtuso insensível, incapaz de compreender a sensação de liberdade proporcionada por elas bem como a genialidade de seu criativo design, mas não adianta, sei que vou permanecer para sempre fiel às minhas sandálias de couro nordestino. A não ser, claro, quando for viajar de novo para o exterior. Considerando o imenso sucesso que elas fazem lá fora e o preço com que são vendidas no resto do mundo, já tomei a decisão de na próxima viagem levar uma mala cheia de sandálias de dedo. Para vender.
Publicado em 03.02.2019