Militares

 

Sou filho de militar. Cresci numa vila militar, onde moravam os oficiais da base aérea de Canoas, RS. Minhas primeiras amizades foram feitas com filhos de militares, e algumas delas conservo até hoje. 

Apesar de alguns excessos injustificáveis, notadamente durante os anos 60 e 70 - não compartilhados por muitos militares, é importante ressaltar - as forças armadas são uma das instituições das quais hoje nós brasileiros mais nos orgulhamos e com as quais sabemos que podemos contar. E qualquer pesquisa de opinião poderá confirmar isso.

Foi por esta razão que em 2018 vi com apreensão alguns militares aderindo à campanha de Bolsonaro. Mas de certa forma isso é compreensível. Grande parte do país estava enojada com as patifarias do PT e também com a cara de pau de seu líder, que desavergonhadamente negava qualquer erro e insistia em posar como injustiçado.

Havia entre todas as pessoas de bem o desejo de passar o país a limpo, e na procura pela melhor alternativa para executar essa limpeza, muitas delas, por ingenuidade, desespero ou astúcia, acabaram aderindo ao canto da sereia. 

Está mais que evidente que Bolsonaro usou diversas pessoas para atingir seus objetivos, e os exemplos mais recentes são Mandetta e Moro. Usou também Guedes, para ganhar credibilidade do mercado financeiro, e este também será descartado no momento oportuno. É evidente ainda que Bolsonaro nunca pretendeu acabar com o toma lá dá cá na política, nem fortalecer as instituições democráticas nem fazer a maioria das coisas que prometia. Muito pelo contrário.

E ao longo deste processo de identificar quem foi usado, torna-se evidente que muitos militares também foram ludibriados pelo esperto Bolsonaro, para dar lastro e confiabilidade a seu projeto de governo. Muitos deles vêm isso com clareza, e constatam que ao terem aceitado se associar a um governo comandado por um capitão expulso do exército por insubordinação, indisciplina e por tentar organizar atentados incendiários, e que nas palavras do General Geisel foi descrito como mau militar, embarcaram numa canoa furada.

Muitos oficiais não concordam com as atitudes do mau militar que hoje ocupa a presidência, mas por questão de disciplina e hierarquia estão impedidos de dizer o que pensam. Ao mesmo tempo se veem cada vez mais constrangidos ao participar de um governo que envereda por caminhos perigosos e que, para se manter no poder, não tem escrúpulos em fazer acordos com a escória política, aquela mesma que durante a eleição Bolsonaro tanto criticou.

Estes oficiais tiveram que estudar e se esforçar muito durante seu processo de formação, em academias reconhecidas pela excelência do ensino, pela cultura ao respeito e ordem e pelo objetivo de servir ao Brasil. E no entanto se veem agora na obrigação de prestar obediência e acatar as ordens de uma figura ignorante e vil.

Militares já sabiam que ao aceitar participar do governo, sentiriam um pesado ônus, caso o governo não desse certo. Mas nenhum deles imaginou que pudesse dar tão errado. E agora veem, constrangidos e de mãos atadas, sua credibilidade tão duramente conquistada ao longo dos últimos 30 anos começar a cair, por estarem associados a um governo que, cada vez mais, mostra sua face nefasta.

Até que ponto deve ir a obediência a um superior vil e desajustado?
A partir de que ponto o respeito e amor pela Nação devem tomar a dianteira?
Esta é a decisão que os bons militares precisarão tomar em breve.

 

 

Publicado em 14.05.2020