Quem já estudou piano sabe como é um aprendizado difícil e demorado. É necessária muita persistência, dedicação e esforço para desenvolver e aprimorar técnica e agilidade. São horas de treinos diários durante anos, frequentemente sendo necessário abrir mão de outras atividades. E é necessário, acima de tudo, possuir algo interior, aquilo que distingue o pianista virtuoso do pianista comum. Poucos chegam lá.

Em um vídeo que assisti recentemente, um menino de seus 5 ou 6 anos, com mãozinha tão pequena que mal consegue atingir as oitavas, dá um show impressionante. Não é preciso ser um expert pianista para saber que uma criança dessa idade não teve tempo de vida nem de estudo para adquirir a técnica demonstrada. E é aí que começam as polêmicas. Alguns dizem que isto é explicado pelo tempo de estudo, outros que a criança teria um dom, outros defendem a reencarnação e outros preferem não dizer nada. Tudo bem.

Mas o que realmente me chamou a atenção, mais que o vídeo, foi o post deixado por alguém, logo abaixo do vídeo, a respeito da reencarnação.

Disse essa pessoa: "A reencarnação é doutrina de satanás e seus demônios. O espírito de Jesus reencarnou em quem? Meu amigo lê a Bíblia sagrada e descubra a diferença entre o ESPÍRITO SANTO e o espírito de satanás. Para você pensar, você tem a visão de que os demônios e satanás vão reencarnarem até e se tornarem perfeitos ou vão se reencarnar para piorarem as atrocidades que estão fazendo. Acorda e entregue sua vida pra Jesus. Quem pratica o pecado é do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio. Para isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do diabo".

Como Espírita Kardecista que sou, me choca ver uma pessoa misturando coisas tão diferentes, usando argumentos tão sem sentido, e ainda pior, expressando tanto preconceito e ignorância.

Por que a hipótese da reencarnação incomoda a tantos? Por que tantos insistem em relacioná-la a coisas profanas ou diabólicas? Seria porque ela desafia crenças religiosas seculares? Porque não foi comprovada cientificamente? Porque, caso confirmada, poderia abalar estruturas religiosas convencionais e obrigar algumas religiões a reverem seus conceitos? E o que pode haver de errado em rever conceitos?

É oportuno lembrar que Nicolau Copérnico e Galileu Galilei, entre os séculos 14 e 17, foram perseguidos pela Igreja Católica e quase condenados à morte na fogueira, acusados de heresia, apenas por defenderem a teoria que o planeta Terra girava em torno do sol, e não o contrário, como a Igreja afirmava.

Hoje todos sabemos que eles estavam certos.

Na Idade Média, quem ousasse discordar da Igreja, invariavelmente era acusado de ser um discípulo de satanás, do diabo ou algo equivalente, e corria o sério risco de virar churrasco na fogueira, o que efetivamente aconteceu com milhares de pessoas durante os anos da 'Santa Inquisição'. Hoje não resta qualquer dúvida sobre a Terra ser apenas mais um planeta girando em torno do Sol, o mundo não acabou por causa disso, nem a Igreja foi enfraquecida ao rever seus conceitos equivocados.

A fé deve seguir na direção da luz e do esclarecimento. E não na direção contrária.

No entanto, mesmo assim, ainda hoje algumas religiões persistem em afirmar que tudo aquilo que é contra seus princípios, ou para o qual ainda não tem explicações, são coisas do diabo ou obras de satanás, exatamente como a Igreja Católica fazia durante a Idade das Trevas.

Representantes dessas religiões, não necessariamente por má fé, e frequentemente por ignorância bem intencionada, insistem em perpetuar interpretações equivocadas dos textos religiosos, alimentando nos seguidores o temor pelo desconhecido, ou afirmando que quem não seguir suas regras não terá vida eterna. Isso é de uma crueldade suprema.

Talvez demore mais alguns séculos, mas há de chegar o dia em que estas religiões irão também fazer suas próprias auto-análises, reconhecendo o que não está certo e revendo conceitos equivocados. Ainda falta a elas aceitar que o sol não gira em torno da Terra

O conhecimento e a verdade não afastam o homem de Deus. Eles nos aproximam Dele, nos permitindo entender um pouco melhor a forma como Ele age, e como sua perfeição e justiça se manifestam.

E a razão pela qual alguns de nós, ao chegar aqui, tem aptidões incomuns, exatamente como o menino do piano.

 

 

Publicado em 14.08.2019