Pete sempre se apresentava vestindo um macacão branco. E sempre destruía a guitarra no final dos shows. Às vezes os amplificadores também. A cena frequentemente era cômica, com os organizadores tentando desesperadamente salvar o que fosse possível das investidas daquele inglês maluco. Anos mais tarde, ele diria que esta foi a razão pela qual o Who nunca conseguia ficar com as contas no azul.
Pete pulava no palco a um metro de altura com as duas pernas juntas como se fosse um boneco de pano e tocava sua guitarra girando furiosamente o braço em círculos. Já naquela época ele era uma figura fora do comum, mas poucos sabiam que era um gênio.
Compositor, arranjador, multi-instrumentista e poeta, ele era a própria alma do Who. Praticamente todas as composições da banda, inclusive os arranjos eram de Pete. Quando compôs Tommy, a primeira ópera Rock da história, inclusive todos arranjos de todos instrumentos, e o disco estourou no mundo inteiro, Pete começou a ser olhado de outra forma. Mas ele não estava satisfeito e compôs uma segunda ópera rock, e lhe batizou de Quadrophenia, outro sucesso.
Quem então ainda tinha dúvidas, teve que se render às evidências. A esta altura do campeonato Pete e sua banda não precisavam mais destruir guitarras no final dos shows. E melhor ainda, as contas da banda já fechavam no azul. Daí em diante, o Who não parou de subir e passou a ser uma das pouquíssimas bandas a atingir a categoria de mito.
Pete Townshend é o Who e o Who é Pete Townshend. Ok, Roger é a voz, mas Pete é todo o resto. Ele é um lirista, um poeta e um pesquisador, capaz de passar horas em seu estúdio caseiro pesquisando novos sons, ritmos, instrumentos, sons ambientais e depois juntar tudo e colocar numa nova composição. Já teve altos e baixos, como quase todo gênio. Já enfrentou viagens brabas, mas conseguiu sair inteiro. Em My Generation, uma das músicas símbolo do Who, Pete escreveu 'Hope I die before I get old', mas não conseguiu. Continuou vivo, embora quase surdo devido a anos de exposição ao volume dos amplificadores do Who, e ficou velho. Mas continuou tocando.
Então, quando sábado agora você vir aquele senhor idoso no palco, meio calvo, tranqüilo, de paletó branco, tocando uma guitarra, não se deixe enganar. Ele é Pete Townshend, a lenda. E que junto com o único outro sobrevivente da formação original do WHO vem à América do Sul pela primeira vez para tocar no Rock in Rio.
E eu vou estar lá. E eu ainda não consigo acreditar nisso.
Publicado em 22.09.2017