A Gray Web Bolsonarista

 

A expressão Dark Web designa a Internet oculta, desconhecida até mesmo por usuários frequentes das redes. Por ser de rastreio quase impossível, é muito utilizada por traficantes e criminosos, para realizar negócios ou transações ilícitas de vários tipos, como venda de armamentos, drogas etc

No Brasil nós temos algo parecido, a Gray Web, que mesmo não sendo tão escura é muito sombria. Essa Gray Web é formada pelas redes sociais bolsonaristas.

Eu evito acessar a Gray Web bolsonarista da mesma forma como evito passar perto de um depósito de lixo. É aquele lugar tão fedorento que a gente não quer nem chegar perto, mas que quando por acaso passa em frente, tem que tapar o nariz para não sentir o cheiro.

Mas dia desses, movido por curiosidade exploratória, decidi mergulhar nas águas da Gray Web bolsonarista. Vesti minha roupa emborrachada de mergulho, ajustei o garrafão de oxigênio nas costas, coloquei tampões no nariz para não sentir o cheiro e mergulhei de cabeça naquele lamaçal putrefato.

O que primeiro chamou minha atenção durante o mergulho foi ver a forma como as informações são divulgadas na Gray Web bolsonarista. Geralmente as notícias são formadas por títulos garrafais, manchetes alarmistas, poucas palavras e imagens grotescas, o que não chega a surpreender, já que é notória a dificuldade de bolsonaristas em ler e escrever. Todos preferem ver desenhos ou figurinhas, bem mais fáceis de serem compreendidos.

Outra coisa que chama atenção na Gray Web bolsonarista é a frequência de certas palavras: canalha, traidor, comunista, ordinário são muito frequentes, sempre se referindo ao inimigo da vez. O que muda de tempos em tempos é a quem essas palavras se referem. Já foram dirigidas a Gustavo Bebiano, Alexandre Frota, Sérgio Moro, Joice Hasselmann, Santos Cruz, Henrique Mandetta entre outros. Atualmente o ódio da Gray Web bolsonarista se dirige principalmente a Eduardo Leite, Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso, o que é compreensível, já que são eles a quem os bolsonaristas mais temem (João Dória é hors-concours).

Nos raríssimos momentos em que não há um inimigo à vista, a Gray Web bolsonarista inventa um novo. A Gray Web bolsonarista é extremamente eficiente em inventar coisas.

Outra característica da Gray Web bolsonarista é que seus usuários habitam um mundo imaginário, formado por miragens e ilusões descoladas da realidade, onde cada fato ou evento é distorcido, revirado pelo avesso e adaptado à visão deficiente de seus usuários (além de ter problemas com leitura e redação, seus usuários tem problemas de visão). Tudo faz lembrar aqueles espelhos dos parques de diversões onde o magro aparece gordo e o bonito se transforma em feio. Mas na Gray Web bolsonarista estas distorções são propositais e tem o objetivo de fortalecer a narrativa que lhes é conveniente. Desta forma, humilhação vira exaltação (vide arregada do 9 de setembro) e vexame vira motivo de honra (vide discurso na ONU).

Outra diferença gritante entre as redes da superfície e a Gray Web bolsonarista é o nível intelectual e formação profissional dos criadores de conteúdo. Enquanto as primeiras contam com nomes como Zuenir Ventura, Elio Gaspari, Cora Ronai, Vera Magalhães, Malu Gaspar, Fernando Gabeira, Dorrit Harazim, Ruth de Aquino, Martha Medeiros e outros, a Deep Web Bolsonarista conta com os 3 zeros presidenciais, Carla Zambelli, Damares Alves, pseudo-jornalistas do mesmo nível de um Alexandre Garcia e uma extensa gama de medíocres blogueiros.

Curiosamente, a Gray Web bolsonarista se alimenta de si mesma e sempre que um membro posta uma 'verdade inquestionável' ela é repassada por outros, curtida por outros, elogiada por outros e exaltada por outros, num ciclo repetitivo, até que esta verdade inquestionável seja substituída por outra verdade inquestionável. Este padrão de auto-alimentação lembra muito a Coprofagia, como é chamado o hábito que alguns animais tem de comer as próprias fezes.

Antes de voltar à superfície ainda tive tempo de observar que na Gray Web bolsonarista são muito frequentes os termos patriota e Deus. Pelo que vi, todos frequentadores das profundezas se consideram patriotas e religiosos, no entanto não foi possível encontrar durante o mergulho nenhuma explicação de como esses patriotas podem pisotear a lei mais importante do país (a Constituição), nem como quem se considera religioso pode nutrir tanto ódio pelos que pensam diferente.

Depois de várias horas de mergulho por aquele oceano de podridão, voltei à superfície e precisei tomar um banho demorado para me livrar do odor repugnante. Queimei as roupas de mergulho, mas não adiantou, o cheiro nauseante impregnou a casa e permaneceu por vários dias.

Não aconselho quem quer que seja a repetir esse mergulho, mas se alguém for incauto o suficiente para se aventurar na Gray Web bolsonarista o que se recomenda é providenciar um equipamento de mergulho da melhor qualidade, e acima de tudo tomar cuidado. O odor da Gray Web bolsonarista é fétido, suas águas são infecciosas e as consequências podem ser letais.

 

 

Publicado em 25.09.2021