A moça vinha em minha direção e por acaso nossos olhares se encontraram por um segundo. Ao passar por mim ela abriu um sorriso simpático e disse: Hello, how are you doing? E eu, meio sem jeito, respondi Hi, I am fine thanks, e segui em frente, tentando lembrar de onde a conhecia.
Logo depois atravessei a porta e o rapaz que trabalhava no local veio até mim e disse, também com um sorriso Hey, how is your day today? E eu, surpreendido pela pergunta feita por alguém que pelo jeito me conhecia e queria saber como estava meu dia, respondi Fine thanks, and yours? ao que ele me respondeu, sorrindo e aparentando satisfação em saber que meu dia estava indo bem: Great! Please let me know if you need any assistance. Agradeci sua gentileza, já meio desconfiado como eu poderia ser tão popular numa cidade onde tinha acabado de chegar e entrei na loja.
Percorri alguns corredores, parei em frente a uma prateleira para olhar um produto qualquer e de repente, uma senhora se aproximou e passou entre mim e a prateleira, mas não sem antes dar um sorriso e dizer ao passar: Excuse me. Só então eu me lembrei: Eu estava nos Estados Unidos e aqui é assim.
Até Olivia, que viajava com a gente e visitava os Estados Unidos pela primeira vez, não teve como deixar de perceber a diferença e comentou: As pessoas aqui sorriem para a gente. E nos cumprimentam ao passar.
Estou firmemente convencido que a expressão mais pronunciada pelos americanos, em qualquer situação, é Excuse me. Ela é usada diversas vezes, todos os dias, em qualquer lugar, e serve para várias finalidades: Para pedir licença, quando se encosta sem querer em alguém, quando se passa na frente de alguém, quando se quer fazer uma pergunta, quando não se entende algo, quando se espirra, quando se tosse, quando não se gosta do que ouviu, quando se fica surpreso com o que ouviu, quando se quer dizer que sente muito ou simplesmente pedir desculpas, entre outras mil finalidades. Excuse me tem mais utilidades que Bombril.
E a educação dos americanos não se limita apenas aos sorrisos ou às palavras, ela se manifesta também no trânsito. A gente, por exemplo, vem dirigindo e se aproxima de uma bifurcação para dobrar à esquerda e vê que a pista para quem vai dobrar à esquerda tem uma fila imensa e ninguém anda. Enquanto isso a pista ao lado, para quem vai dobrar à direita está livre e sem nenhum carro. O que um motorista brasileiro típico faz? Segue pela pista da direita até lá na frente e depois embica seu carro para a esquerda, os outros que se danem. O motorista americano não, ele entra na fila certa e não obstrui a fila de quem vai em outra direção, mesmo que tenha que esperar mais tempo. E faz isso porque sabe que se não for assim, em breve ninguém conseguirá chegar a lugar algum.
Outro exemplo: Uma esquina está com sinal queimado e não tem ninguém orientando o trânsito. No Brasil isto é sinônimo de confusão, com tudo parado, mas nos Estados Unidos não. Lá atravessa um carro daqui e depois outro de lá, alternadamente. Um carro de lá para cá e outro de cá para lá, sucessivamente. É como se existissem leis não escritas, mas conhecidas e respeitadas por todos.
Há alguns anos, numa situação destas, e incerto sobre o que fazer, achei melhor esperar que todos os outros carros passassem para somente então eu dobrar à esquerda. Mas os outros carros não avançavam, permaneciam parados e eu não entendia a razão. Só então enxerguei a motorista do carro do outro lado da rua, lá na frente, me olhando fixamente através do vidro e entendi. Ela estava esperando que eu dobrasse (era a minha vez) para somente então ela poder seguir em frente. E não vou nem comentar aqui o respeito que os americanos tem por placas STOP (eles param mesmo) e por School Buses amarelos. Quando um destes ônibus estaciona para pegar ou deixar crianças, todo o trânsito em volta para. Ninguém ia mesmo acreditar.
Deslumbramento de turista? Americanismo agudo? Não, nada disso, todo mundo sabe que lá também existe muita gente mal educada e sem civilidade, mas bastam alguns dias no país para perceber que estes, ao contrário de em outros países, são exceção. Podem falar o que quiser dos americanos, mas é inegável que no trato diário eles são tão gentis que quem não está acostumado chega a estranhar.
De volta ao Brasil eu resolvi fazer um 'teste de amabilidade' assim que surgisse a oportunidade. E ela surgiu quando cheguei em casa.
Estacionei o carro na garagem do subsolo e fui até o elevador. Um vizinho, que não sei quem é, estacionou em outra vaga, saiu do carro e veio em minha direção. Enquanto se aproximava olhou fixamente em meu rosto e não esboçou qualquer reação nem disse nada. Ficamos lado a lado esperando o elevador por alguns instantes. Quando chegou, ele entrou na frente e apertou o botão de seu andar. Eu entrei depois e apertei o meu. Subimos em silêncio um ao lado do outro. Ao chegar em seu andar, ele abriu a porta e saiu, em silêncio.
Sim, eu estava de volta ao Rio de Janeiro.
Publicado em 26.05.2018
N. do A.: É verdade que em algumas regiões do Brasil a amabilidade das pessoas é muito maior que em outras, e o mesmo vale para as cidades americanas. Mas já tendo percorrido 41 estados americanos, e incontáveis cidades daquele país, de norte a sul, de leste a oeste, bem como o Brasil inteiro, é possível afirmar que a amabilidade americana com estranhos é quase um padrão, e bem maior do que a que encontramos por aqui.