Bundas

 

No século 19, quando banhos de mar passaram a ser recomendados como tratamento de saúde e logo se tornaram moda, surgiram os primeiros trajes de banho, e logo depois, os primeiros escândalos. Jornais da época relataram o espanto e indignação com que a sociedade viu aqueles trajes sumários usados nas praias, e que deixavam totalmente à mostra os joelhos de moças e senhoras.

Quem me conhece sabe que não sou fã de praias lotadas. Ir a uma praia para relaxar, deitar na areia, ouvir o suave bater das ondas e sentir a doce brisa acariciando o corpo enquanto se está imerso em pensamentos é um sonho idílico em quase todas praias cariocas durante o verão, principalmente nos finais de semana.

Mas agora, tentando tirar o prejuízo acumulado durante o isolamento pela pandemia, tenho caminhado diariamente na areia e estou me sentido como devem ter se sentido as pessoas do século 19 ao verem expostos, despudoradamente, aqueles joelhos indecentes. A diferença é que agora o que está exposto são bundas. E que eu, aparentemente, sou o único a ficar surpreso com isso.

Não sei em que momento bundas passaram a ser vistas como qualquer outra parte do corpo (como cotovelos ou barrigas da perna), mas o fato é que as praias agora estão infestadas de bundas à mostra, e ninguém está nem aí.

Uma caminhada de sete quilômetros pelas areias de Ipanema revela, não importa em que direção se olhe, bundas gordas e bundas magras, bundas promissoras e bundas decadentes, bundas empinadas e bundas desabadas, bundas chamativas e bundas repulsivas, bundas submissas e bundas altivas, bundas complacentes e bundas deprimentes, bundas acanhadas e bundas desaforadas, em todas as variações imagináveis de cores, tons, formatos, texturas, acabamentos e padrões.

Já foi dito que o segredo da erotização do corpo feminino está em apenas sugerir, mas nunca exibir.

No Alto Xingu, muitas tribos indígenas andam até hoje completamente nuas dos pés à cabeça, e entre eles, isso é considerado normal. Não sei se estamos caminhando nessa direção, mas se isto for verdade, espero não estar aqui para ver esse dia chegar. Será a completa supressão da erotização.

 

 

Publicado em 03.10.2020