De uns tempos para cá virou moda colocar a culpa de tudo na China. Ela é o novo vilão da história, assim como eram os índios nos antigos faroestes de Hollywood: sempre traiçoeiros e vingativos. Parte dessa paranóia é estimulada por Trump - e reverberada aqui por seu pupilo tupiniquim - cada vez mais inconformado com o crescimento do protagonismo chinês no cenário global e sua cadeia produtiva.
Hoje expira o prazo de 72 horas dados pelos Estados Unidos para a China fechar seu consulado em Houston, numa escalada do confronto entre as duas potências. A justificativa americana é que o consulado era usado como centro de espionagem. Alguém duvida que é verdade? Claro que não. Assim como ninguém duvida que americanos também espionam a China. Assim como ninguém duvida que no mundo atual todos espionam todos. Isso é jogo jogado. Outros conflitos virão, e muitos países sofrerão as consequências dessa disputa, inclusive o Brasil, que terá que decidir em breve qual país irá fornecer tecnologia para implantação das redes 5G, um verdadeiro passaporte para o futuro.
O irônico dessa história é que o crescimento do protagonismo chinês foi forjado lá atrás, graças em grande parte às potências ocidentais, que atraídas pela baratíssima mão de obra e condições de trabalho sub-humanas existentes na China não tiveram escrúpulos em transferir para lá centenas de fábricas e linhas de produção, aproveitando-se ao máximo do trabalho escravo existente no país, e com isso aumentado seus lucros de forma exponencial. Agindo assim, esses países deram os primeiros passos na criação de um Frankenstein, e agora, assustados, vem o monstro voltar-se contra eles próprios.
Em poucas décadas a China passou de país produtor de brinquedinhos de plástico e bugigangas de Natal para país produtor de alta tecnologia, inclusive no campo da eletrônica. A China mescla um regime autoritário com capitalismo Estatal. Lá não existem liberdades individuais, direitos trabalhistas, partidos oponentes, imprensa livre, redes sociais abertas, livre concorrência e onde o único partido decide tudo sobre a vida de todos. Ela se aproveita disso para se impor cada vez mais no cenário global. E engana-se quem pensa que a China vai dominar o mundo. Ela já dominou. Nós é que ainda não tínhamos percebido.
Quem acha que pode reverter esse quadro deixando de usar produtos chineses pode começar jogando fora seu celular. Dentro dele estão dezenas de componentes Made in China. E depois pode prosseguir, jogando fora seu computador e sua TV UHD 4K.
Sempre se disse que é importante aprender inglês e isso continua valendo. Mas aos jovens pragmáticos e com visão de futuro recomenda-se, desde já, fazer matrícula em um curso de Mandarim.
Publicado em 24.07.2020