Sgt. Pepper's

 

Eu tinha 15 anos, e naquela tarde o carro dirigido por meu tio vinha pela rua Dr. Flores e dobrou à esquerda na Rua da Praia, voltando pra casa.

Eu estava no banco de trás, com meus primos. Tinha uma loja de discos enorme naquela esquina, que sempre colocava as novidades na vitrine, e sempre que eu passava ali dava uma espiada, para ver o que tinha chegado de novo. Mas naquele dia, de carro, não deu para ver bem, mesmo assim percebi que toda a vitrine estava coberta por dezenas de cópias do mesmo disco, colocadas lado a lado. À distância, me pareceu ser um álbum duplo, e nele estavam as fotos de quatro rostos para mim desconhecidos.

Pelo pouco que consegui ver, eram as fotos de quatro velhos, de bigodes e com estranhas roupas coloridas. Ao mesmo tempo eu sabia que o novo LP dos Beatles era esperado a qualquer dia, mas não sabia exatamente quando iria chegar às lojas.

Bem.... antes mesmo do carro chegar em casa a ficha tinha caído: O novo álbum dos Beatles era aquele, estava na vitrine daquela loja da esquina, e aqueles velhos de bigodes eram eles, os 4 Beatles.

Naquela época eu já era fã dos Beatles. Eu disse fã? Desculpe, me enganei. Eu era alucinado, louco desvairado, eles eram tudo pra mim. O primeiro álbum dos Beatles que comprei tinha sido Revolver, que na verdade foi também o primeiro álbum que comprei na vida.

Por isso o álbum seguinte dos Beatles era aguardado com tanta ansiedade por mim, assim como por milhões de pessoas ao redor do mundo. E de repente ele estava bem ali, naquela loja de esquina no centro de Porto Alegre.

Claro que logo que o carro de meu tio chegou em casa, eu desci correndo, subi até meu andar, entrei em casa, abri o armário, catei minhas economias e voltei correndo em direção àquela loja do centro, com o coração acelerado e medo do disco esgotar antes de eu chegar na loja. Cheguei lá, e contendo a emoção disse para a vendedora: Eu quero o último disco dos Beatles, aquele que está na vitrine.

E com que emoção fui pra casa com aquele vinil maravilhoso embaixo do braço.

Quando cheguei, segui direto para o quarto onde ficava a eletrola e botei para tocar. E a emoção e surpresa com os sons que saíram daquela antiga eletrola fizeram girar minha cabeça.

Aquele era um disco diferente, eu nunca tinha ouvido nem visto nada igual. O visual da capa, o visual dos Beatles, os bigodes, as faixas sem intervalo entre si, os arranjos, os sons, tudo. Sgt. Pepper's era uma revolução, essa era a palavra mais próxima que eu conseguia imaginar para definir tantas mudanças juntas no som dos Beatles, que sempre havia sido revolucionário. Era uma revolução dentro da revolução, e alguns anos ainda seriam necessários para compreender sua extensão e significado.

O choque e a surpresa com o que eu tinha acabado de ouvir foram tão grandes que nos primeiros momentos cheguei a ficar em dúvida se tinha gostado ou não daquele álbum.

Hoje, passados 50 anos do dia de lançamento do álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, todos já conhecem bem a importância do álbum, considerado por muitos como o mais revolucionário e importante da história do rock. Uma nova tendência de som e estilo havia nascido com ele, influenciando a sociedade em muitos outros campos, além da música. Moda, tendências e estilos, nada mais seria igual.

Para comemorar a data, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band vai ganhar uma nova edição remixada, em várias versões, com direito a livros explicativos, vídeos e outros brindes. Jornais e sites do mundo inteiro celebram os cinquenta anos do clássico dos clássicos, mas na verdade eu ainda estou em dúvida se vou comprar. Tenho todos os álbuns dos Beatles, alguns ainda em vinil e todos em CDs. Tenho piratas e raridades diversas, mas não lembro da última vez que botei algum deles pra tocar. É como se não precisássemos nos falar diariamente para reafirmar o amor.

O problema das reedições de obras consagradas, além de serem pretexto para fazer dinheiro, é que elas tem um cheirinho inconfundível de profanação de túmulos. Elas beiram o sacrilégio. Por que mexer numa obra acabada e perfeita? Você gostaria de ver a Mona Lisa retocada?

Por outro lado, vai ser difícil resistir à tentação de reencontrar aquelas emoções perdidas, as mesmas que eu sentia cada vez que um novo LP dos Beatles era lançado. E bate então no peito uma irresistível vontade de ir correndo numa loja de discos (ainda existem?) e dizer novamente para a vendedora: Eu quero o último álbum dos Beatles, aquele que está na vitrine.

Meus 15 anos já ficaram para trás há muito tempo, e não sei se ainda seria capaz de sentir a mesma emoção daquela época, quando escutava um novo disco dos Beatles.

Mas quem sabe eu não resista, e acabe pagando para ver. E ouvir.

 

 

Publicado em 28.05.2017