Alguns guarda-chuvas tem boas aventuras para contar, e esse é um deles. Durante uma viagem a Londres tiramos um dia para visitar o Royal Air Force Museum, que conta com um acervo extraordinário e está situado num subúrbio ao norte da cidade. Fomos de metrô e ao descer lá chovia a cântaros (eu disse que era Londres). Da estação de metrô até o museu era uma caminhada de uns 20 minutos a céu aberto, sem ter onde se abrigar. Nós não tínhamos levado guarda-chuva nem havia por ali lojas onde comprar.
Na estação do metrô onde descemos havia apenas uma banca de revistas, com um rapaz de aparência indiana por trás. Eu me aproximei e perguntei onde poderia comprar um guarda-chuvas por ali. Ele não sabia e pelo jeito nunca ninguém tinha lhe feito essa pergunta. Mas depois de alguns segundos ele disse: Vocês podem levar esse aqui, e pegou um guarda-chuva colorido que estava ali atrás. Era novinho, parrudo, enorme, para duas pessoas, com haste grossa e resistente, feito para resistir às severas intempéries inglesas, e não como os daqui, que qualquer ventinho dobra e a gente acaba jogando fora depois de usar duas ou três vezes.
Surpresos, aceitamos a generosa oferta do revisteiro indiano e lá fomos nós caminhando até o museu sob o guarda-chuva colorido. Fizemos a visita, almoçamos e depois voltamos caminhando para a mesma estação de metrô. Ainda chovia e ventava, mas o guarda-chuva não estava nem aí, resistiu a tudo com típica fleuma britânica, não entortou, não revirou e não soltou sequer uma vareta. Aquele era um guarda-chuva tipo topa tudo.
Ao chegar de volta na estação do metrô eu já estava fã daquele Rolls Royce dos guarda-chuvas, nunca tinha visto nada assim no Brasil. Decidi então comprar um igual, e perguntei ao rapaz onde poderia encontrar, mas ele também não sabia. Mas nos surpreendeu novamente, dizendo que a gente podia ficar com ele. Eu perguntei quanto custava, mas ele disse que não precisava pagar nada. Era só levar e pronto, simples assim.
Ainda surpreso, catei as moedas que tinha no bolso, umas 2 ou 3 libras, e entreguei ao rapaz, que aceitou depois de alguma insistência. E lá voltamos nós de metrô para o hotel, com o Rolls Royce dos guarda-chuvas debaixo do braço. A essa altura o guarda-chuva e eu já tínhamos virado amigos de infância. No dia seguinte, caminhando pelo centro de Londres, vimos que um guarda-chuvas como aquele custava em torno de 50 libras (quase R$400 pelo câmbio atual).
Mas a história não termina aí. Na volta ao Brasil, ao fazer checkout no hotel, o guarda-chuva foi esquecido no balcão e só fomos lembrar dele no aeroporto. Quase chorei, mas não desisti. Ao chegar em casa liguei para o hotel e perguntei se eles tinham encontrado um guarda-chuva colorido, ao que a recepcionista do Novotel respondeu que sim, que estava guardado e que se eu quisesse poderiam enviar para mim. Dei então meu endereço e alguns dias depois o guarda-chuvas chegou, via Fedex, em perfeitas condições. Foi um reencontro emocionante.
Não sei se existem outros guarda-chuvas tão viajados e com histórias tão emocionantes para contar, mas o fato é que ele e eu continuamos bons amigos. Ele fica guardado em lugar seguro e em dias de chuva e vento forte é sempre o Rolls Royce dos guarda-chuvas quem é escalado para nos acompanhar.
Publicado em 03.09.2021