Eu já disse que tenho uma musa? Pois é, eu tenho. E Louise é seu nome.
Louise Brooks foi uma atriz do cinema mudo, o que pode fazer algumas pessoas torcerem o nariz e dar risadinhas de desdém, mas nada poderia ser mais injusto.
Quando pensamos em produções daquela época o que costuma nos vir à cabeça são filmes borrados, imagens tremidas, muita correria e tortas atiradas no rosto de todo mundo em cena. Mas o cinema daquela teve grandes produções, bons atores, centenas de figurantes e cenários grandiosos. E principalmente, de mudo não tinha nada. Orquestras com centenas de músicos faziam o fundo musical dos filmes em imensos teatros, tocando ao vivo, e na época, a emoção que o conjunto de imagens e música transmitiam não ficava nada a dever aos mega sucessos atuais.
Um dia, porém, foi descoberta uma forma de sincronizar som e imagens nos rolos de nitrato de celulose (aqueles imensos rolos negros de filmes) e tudo mudou. As pessoas só queriam saber de assistir filmes falados (novidade que passou a ser conhecida como 'talkies') e os filmes sem som foram sendo gradualmente deixados de lado pelos grandes estúdios de Hollywood, entrando para a história como 'silent movies', ou 'filmes mudos' denominação usada no Brasil.
Louise Brooks foi uma atriz americana que surgiu na época dos silent movies, trabalhando em diversas produções com sucesso, mas foi com Die Büchse der Pandora (A Caixa de Pandora), produção alemã de 1929, dirigida por Georg Pabst, que Louise se transformou em estrela internacional. Na época, Pabst já era considerado um gênio do cinema, e foi por isso que Louise aceitou seu convite para filmar na Europa.
No filme Louise faz o papel de Lulu, uma jovem incrivelmente sedutora e de poucos escrúpulos, que se envolve com vários homens e leva suas vidas à ruína. O filme fez grande sucesso também nos Estados Unidos, e levou Louise a um novo patamar de estrelato. Por sua temática ousada e estética revolucionária, Pandora's Box é até hoje considerado um filme cult, foi lançado em DVD, Blu Ray, está disponível em streaming e também no Youtube (www.youtube.com/watch?v=JhSqbw_BviU).
Mas a volta aos Estados Unidos não lhe trouxe vida fácil. Apesar do talento, Louise nunca chegou a ter o merecido reconhecimento nem atingiu o patamar de fama de outras atrizes da época, como Mary Pickford ou Clara Bow, o que deve-se em parte ao seu temperamento, impulsivo e independente.
Quando teve início a época dos talkies Louise se recusou a atender às exigências do estúdio de quem era contratada, a Paramount. Ela foi chamada para dublar seu personagem no filme Canary Murder Case, produzido sem som e por isso ainda não lançado, mas achou que a quantia oferecida pelo estúdio era baixa a recusou a oferta.
Na época, com pouquíssimas excessões, atores de cinema eram regidos por contratos que se assemelhavam à quase escravidão. Estúdios mandavam e desmandavam nos atores e atrizes, até mesmo em suas vidas particulares, e a recusa de Louise foi um insulto nunca antes visto pelos poderosos produtores da Paramount.
Furiosos, sua vingança foi cruel. A Paramount espalhou o boato que Louise tinha uma voz terrível e por isso nunca teria condições de trabalhar em talkies, os filmes falados.
Atualmente pode parecer incrível, mas na época dos silent movies, as pessoas não sabiam como era a voz dos atores e atrizes, só podiam imaginá-las. Após o surgimento dos talkies as plateias finalmente puderam pela primeira vez ouvir a voz de seus ídolos do cinema, o que causou a decepção de muitos fãs. Diversos atores consagrados da época tiveram que encerrar suas carreiras prematuramente, porque tinham vozes terríveis.
A mentira espalhada sobre a voz de Louise (que era belíssima) teve um efeito devastador em sua carreira, fez com que ela fosse encostada em definitivo pela Paramount, assim como por outros estúdios.
Abandonada e esquecida pelo público, nos anos seguintes ela foi obrigada a ganhar seu sustento de várias formas, inclusive como vendedora. Teve poucos amigos, viveu uma vida reclusa, sofrendo de artrite deformante e faleceu em 1985, aos 87 anos
Foi em homenagem a Louise que a banda OMD gravou o vídeo Pandora’s Box (www.youtube.com/watch?v=PMFKib_Byb8) e foi graças a ele que pela primeira vez ouvi falar em Louise Brooks. Nesse dia, ao assistir o vídeo na MTV, só não caí no chão porque estava sentado.
Quem se interessar em conhecer mais sobre a era do cinema mudo, fora dos tradicionais estereótipos, deve assistir a excelente série de documentários (13 episódios) Hollywood, A Celebration of the American Silent Film, também disponível no Youtube.
E sim, por seu temperamento, coragem e beleza, Louise Brooks é minha musa.
Eu sempre tive bom gosto.
Publicado em 26.12.2019