Como seria o papo entre duas pessoas amigas que se viram pela última vez quando tinham 11 anos, nunca mais se falaram e agora, aos 64, se reencontram?
- E aí? O que você tem feito?
- Nada. Eu cresci, estudei, matei aula, fui ao cinema, mudei de colégio, namorei, passei no vestibular, tirei carteira de motorista, mudei de namorado, tomei a vacina, fiz estágio, bati com o carro, briguei com o namorado, abandonei o curso, mudei de casa, fui madrinha de casamento, tive dor de garganta, fui a uma entrevista de emprego, comecei a namorar, briguei com a Simone, acompanhei a novela, menti que tava doente, comprei um vestido lindo, visitei Amsterdam, quebrei meus óculos, comi pizza, me formei, perdi aquele filme, mandei o Paulinho lamber sabão, fui assaltada, consegui emprego, casei, me separei, casei de novo, fiquei resfriada, passei as férias em Buenos Aires, fiquei P da Vida com a NET, tive dois filhos, mandei consertar o aquecedor do banheiro, dispensei a Kleydianne, fui assediada no trabalho, quebrei o salto do sapato, cancelei meu cartão, inventei que não tive tempo, descobri um tonalizante ótimo, anulei meu voto, fiz as pazes com o Paulinho, ri muito com ela, fui promovida, vi aquele show, fiquei presa no elevador, fiz um curso de espanhol, chorei a noite inteira, ganhei um netinho lindo, perdi o celular, fiz cirurgia de hérnia, vendi o carro, me aposentei e tô tomando remédio pra pressão. E você?
- Nada também. Igualzinho a você.
Dia desses encontrei no Face uma amiga que – sim, você adivinhou – eu não via desde os 11 anos. Nós estudamos juntos num cursinho de admissão (não vou perder tempo aqui explicando o que eram 'Cursos de Admissão', quem quiser saber procure no Google) e depois estudamos juntos no ginásio (também não vou explicar o que eram 'Ginásios'). Um belo dia ela sumiu, acho que foi para outro colégio ou coisa assim e eu nunca mais a vi. Mas também nunca a esqueci. Em parte porque seria impossível esquecer uma pessoa com um sobrenome tão marcante, mas eu não a esqueci, principalmente, porque era uma amiga muito querida.
Volta e meia procuro no Face amigos perdidos pelo caminho. Não sei se é porque a esta altura da caminhada, memórias e lembranças passadas costumam se tornar maiores que planos e projetos futuros e a gente começa a olhar mais pelo retrovisor, ou se é porque eu simplesmente me arrependo de não ter me esforçado mais para não deixar tantas amizades pelo caminho e agora estou tentando reparar meu erro.
Em minha defesa eu posso alegar que antigamente era muito mais difícil manter contato com outras pessoas. Hoje, graças às redes sociais, podemos ver, falar, ouvir e quase sentir o cheiro de qualquer um, em qualquer lugar, a qualquer hora e todos nós estamos apenas a um wifi de distância uns dos outros. Pode ser difícil para os mais novos compreender como era possível alguém perder contato com amigos, mas crianças, eu lhes asseguro que era assim mesmo. Uma pessoa um dia sumia e você ficava sem nunca mais saber nada dela. É aterrorizante eu sei, mas era assim que a gente vivia.
De qualquer forma uma coisa eu prometo: Fazer tudo que for humanamente possível para nunca mais deixar escapar por entre os dedos qualquer amizade. Prometo fazer todo o possível para jamais perder contato com amigos, sejam eles antigos, novos, veteranos, sazonais, bissextos, fáceis, difíceis, inéditos, repetidos, estreantes, do passado, do presente e até do futuro.
Publicado em 11.12.2017