Há 500 anos, um monge olhou em volta e percebeu que a Sagrada Igreja Romana havia perdido o rumo e esquecido da mensagem inicial transmitida por Jesus. A igreja tinha se transformado num lucrativo balcão de negócios, onde lugares na área vip do céu eram vendidos a quem podia pagar. Assim, a Igreja engordava seus cofres para aumentar seus domínios e construir imensos templos, enquanto os endinheirados pecadores podiam continuar pecando à vontade, pois tudo seria perdoado. Era só uma questão de combinar o preço.
Graças às suas teses, Martin Luther foi excomungado, acusado de heresia e escapou por pouco de virar churrasco numa fogueira. Mas continuou pregando, e suas ideias se transformaram na base da maior reforma religiosa da história, dando origem ao rompimento da Igreja Católica – até então absoluta – e surgimento da religião protestante e todas suas subdivisões.
Passados 500 anos daquela revolucionária denúncia, estamos mais do que nunca cercados de religiões de todas as cores e sabores. Mas quais delas permanecem fiéis à essência da mensagem deixada Cristo?
Muitas dessas supostas Igrejas lembram mais um time de futebol, que um templo religioso e a mensagem que elas passam é 'nós estamos certos, eles estão errados, Nós estamos salvos, eles estão condenados. Nossa fé nos faz melhores, a deles os faz piores'. Mas ainda mais preocupante é ver algumas religiões se considerarem certas sobre tudo, ter respostas prontas para tudo, e deter o conhecimento exclusivo da verdade.
Jesus não fundou uma religião. Ele deixou ensinamentos para observarmos em nossas vidas. As religiões foram fundadas mais tarde pelos homens, baseadas nas interpretações dos ensinamentos de Cristo. E por melhores que fossem suas intenções, foi nessas interpretações que a coisa começou a desandar.
Ao longo dos séculos foram sendo criados rituais, normas, cânticos, simbolismos, cerimoniais, liturgias, regulamentos, códigos de vestimentas e condutas, proibições, e aquilo que eventualmente não estava bem claro não foi problema, pois os fundadores dessas religiões adaptaram as leis de Cristo da forma como melhor lhes parecia. E no final deste criativo processo, o conteúdo mais importante acabou muitas vezes relegado a um segundo plano.
Não acredito, por exemplo, que Deus se aborreça com quem bebe café. Ou que Ele desaprove quem mostra os rostos em fotos. Ou que Ele condene o uso de equipamentos elétricos. Ou quem doa sangue para salvar uma vida. Ou que Ele curta quem frequenta templos enquanto suas mentes estão em outros lugares. Ou que Ele veja com bons olhos quem evita amizades com pessoas de outras religiões. Ou que Ele ache bonito orações recitadas automaticamente apenas para cumprir um ritual. É pouco provável que Deus goste menos de alguém só porque essa pessoa, em algum momento de sua vida, não teve sua cabeça imersa na água. E não dá para acreditar que Deus vá ficar ofendido se você não vestir sua melhor roupa para se dirigir a Ele. Afinal, Ele 'vê' a gente por dentro.
Quem prega coisas assim não entendeu bem o espírito da coisa (sem trocadilho).
Acredito, isto sim, que Deus prefere que oremos em qualquer lugar, mesmo na solidão de nosso quarto, mas sempre com sinceridade. Tenho certeza que Ele prefere que as orações sejam feitas a partir do coração, e não recitadas automaticamente. Acho lógico que Ele prefira que nos preocupemos menos com rituais, vestimentas, teorias e códigos, e mais com nossas condutas e pensamentos do dia a dia. Estou convencido que Ele espera que ajamos como Jesus nos ensinou, mesmo quando ninguém está nos vendo e não apenas em sociedade, onde vemos e somos vistos.
Duvido que exista alguma religião onde enganos não são praticados, e acho que todas deveriam ter a humildade de olhar em volta, se perguntando no que poderão estar equivocadas e no que poderiam se aprimorar. Já foi dito que todas as religiões são como diferentes caminhos que levam a Deus, e todos parecem estar de acordo com isso, mas ao mesmo tempo todos parecem dizer: o meu caminho é o único certo.
Estes enganos praticados por tantas religiões, em vez de dar esperança e conforto geram dúvidas, angústias, ressentimentos e separações. Já foi assim no passado, quando em nome da religião pessoas eram mandadas para guerra, mortas e torturadas. E ainda hoje, em nome da religião, muitas barbaridades continuam sendo ditas e cometidas.
Dizer que religiões ainda apresentam falhas não é heresia, é apenas reconhecer a imensa limitação de nossos conhecimentos sobre tantas coisas, inclusive no que diz respeito à vida após a morte. E quem achar que já sabe tudo, basta erguer os olhos para o firmamento numa noite escura, e intuirá o quanto ainda temos a aprender. Nem todo conhecimento está nos livros. Mas ele nos será oferecido na hora certa, quando tivermos condições de assimilá-lo.
Ninguém sabe por quanto tempo ainda seguiremos caminhos divididos, afastados, discutindo entre nós mesmos, cada um afirmando que seu Deus é melhor que o Deus dos outros. Às vezes tenho a impressão que, assim como fez Luther há 500 anos, precisamos olhar em volta e nos perguntarmos se as Igrejas não teriam, em algum momento, esquecido novamente da mensagem inicial transmitida por Jesus.
Ou talvez seja necessário ocorrer outra reforma como a de Luther, que nos abra a cabeça e que finalmente nos permita enxergar que um dia, quando estivermos realmente evoluídos, todas as religiões serão uma só, sem mais enganos nem mentiras.
Então, a partir desse dia, poderemos todos seguir em paz e juntos rumo ao único Deus.
Publicado em 01.11.2018