O embarque ocorreu no horário previsto, os passageiros subiram a escada que dá acesso ao avião (o aeroporto de Campo Grande não tem fingers) e se acomodaram em seus assentos. Depois de quinze minutos de espera o comandante avisou pelo rádio que seria necessário desligar a energia do avião para reiniciar alguns sistemas que estavam dando problemas e que por isso ficaríamos cinco minutos sem luz. Logo depois a luz, ar condicionado e telinhas de entretenimento apagaram.
Passados cinco minutos a energia voltou. E aí começou o entra e sai na cabine de comando. Pessoas uniformizadas e vestindo macacões, aparentando ser técnicos e mecânicos, falavam entre si e com os tripulantes, gesticulavam e falavam no rádio. Deu pra perceber que alguma coisa estava errada. Passaram-se mais trinta minutos e nada do avião sair do lugar.
Então o comandante informou que, para nosso maior conforto, nós deveríamos esperar no saguão do aeroporto, enquanto os reparos eram feitos. E que deveríamos desembarcar com toda nossa bagagem de mão. Muita gente começou a reclamar, mas não adiantava. Melhor dar problemas em terra do que durante o voo.
O saguão do aeroporto de Campo Grande é pequeno e outros dois voos estavam saindo. Havia aglomerações e pouca informação. Passaram-se mais noventa minutos de espera. Voltei ao portão de embarque para tentar descobrir alguma coisa. Lá, dois funcionários da Azul tentavam, da melhor forma possível, prestar informações aos passageiros, mas eles também não sabiam muito. Depois de transpor a muralha de passageiros exasperados que se amontoavam em torno do funcionário da Azul eu perguntei: O que está acontecendo no avião? Ele respondeu: 'A placa de comunicações está apresentando problemas. Já testaram duas vezes e deu negativo, mas vai ter que testar de novo. Só depois de testar três vezes e der negativo vai ser liberado. É igual a computador'. Sem entender muito bem a explicação voltei para meu lugar, ainda com esperanças de embarcar em pouco tempo.
Depois de vinte minutos voltei lá e perguntei se já tinham completado os testes e o rapaz respondeu que não. Eu disse: Acho que não vão conseguir. E o rapaz respondeu: Eu também acho.
Mais trinta minutos se passaram. Então nós vimos, pelos vidros do saguão, o trenzinho de bagagens se dirigir de volta ao avião e pensei: já era, vão começar a retirar as malas do porão e informar que o voo foi cancelado. Não deu outra.
Vinte minutos depois nos informaram que o voo tinha sido cancelado, que nós deveríamos pegar as bagagens na esteira e nos dirigir ao check-in para remarcar o voo. Foi uma gritaria geral, gente furiosa, gente incrédula e gente sem entender nada nem saber para onde ir.
Pegamos as bagagens e fomos para o check-in. A fila dava voltas no salão. Muita aglomeração e muita gente sem máscara. Depois de rodar muito consegui achar uma fila prioritária, para idosos. Chamei Regina (ela tinha ficado lá atrás, tomando conta das malas) e entramos na fila. Mas a fila não andava. Antes a Azul tinha que despachar os passageiros de outro voo, previsto para sair 3 horas após o nosso. Eram quatro funcionários para atender 250 pessoas. Mais espera.
Finalmente nossa fila começou a andar. Ao chegarmos ao balcão fomos informados que não havia como sermos colocados em outro voo nem em outra companhia, porque todos estavam lotados. Íamos ter que esperar um avião vir de SP especialmente para levar todos os 140 passageiros do voo cancelado. E ele viria só amanhã. Fomos então remarcados para um voo às 10:20 do dia seguinte.
A Azul nos deu um voucher (ida e volta para hotel), dois vouchers de R$500,00 como indenização, para ser usado em voos futuros e um voucher de pernoite num hotel indicado por eles. Perguntei quais eram as opções de hotel e o rapaz me disse que eram três. O melhor, segundo ele, era um Hotel que, em suas palavras 'fica no centro mas é bom, é um 4 estrelas'. Pressenti que aquele 'mas' era prenúncio de furada e cheguei a pensar em ir direto para o hotel em que tínhamos ficado (Deville Prime, excelente) mas achei que estava exagerando e fomos para o Hotel indicado pela Azul. O táxi que nos levou até lá merecia uma história à parte: O motorista não usava máscara, dirigia como louco, não tirava os olhos do WhatsApp, avançou sinais e jogou o carro propositalmente sobre uma moto. Mas chegamos vivos no tal hotel.
O salão tinha uma aparência decadente, além de mal iluminado. Dava a impressão de um hotel que teve seus momentos de glória nos anos 60. Nada a ver com o que se espera de um hotel moderno 4 estrelas. Gente meio estranha entrava e saia, até mesmo algumas moças com aparência e roupas típicas das trabalhadoras de entretenimento noturno, mas o recepcionista nos disse, todo feliz: Vou dar para vocês um quarto especial.
Entramos no minúsculo elevador e subimos até o 5 andar. O corredor escuro, o tapete gasto e as pessoas que entravam e saiam dos quartos faziam lembrar um albergue. Entramos. O dito quarto especial era ocupado por uma cama de casal e uma de solteiro. No espaço em volta quase não havia espaço para circular. O banheiro cheirava a mofo. Regina e eu olhamos um para o outro e pensamos a mesma coisa: Aqui a gente não fica.
Voltei na recepção, disse que infelizmente não poderíamos ficar, agradeci e deu tchau. O rapaz da recepção não entendeu nada. Chamamos um táxi (mais trinta minutos de espera) e voltamos ao hotel de onde, oito horas antes, tínhamos saído. Tomamos um bom banho, chamamos o room-service e pedimos duas refeições (estavam ótimas), ligamos o ar e nos atiramos nas camas. Foi a melhor noite de sono de nossas vidas.
Foi um dia perdido e uma aventura de dez horas que nos levou de volta ao lugar de partida. Menos mal que não tínhamos nenhum compromisso, o que não era o caso de muita gente naquele voo.
Moral da história:
1. Eventos como esses fazem parte da aviação e podem ocorrer em qualquer cidade e qualquer companhia aérea.
2. A Azul agiu certo ao cancelar o voo. A segurança deve estar sempre acima de tudo.
3. O aeroporto de Campo Grande não está preparado para estes eventos. Não tem sequer um restaurante.
4. A equipe de solo da Azul é pequena para situações como essa, eram apenas 4 funcionários para atender 250 passageiros aglomerados.
5. A boa vontade dos funcionários da Azul é excepcional.
6. A Azul precisa ficar mais atenta aos taxistas com quem faz contratos.
7. A Azul precisa revisar urgentemente os hotéis onde acomoda seus passageiros.
Publicado em 19.12.2021