Quando eu era pequeno as feiras livres do Rio de Janeiro exerciam sobre mim um fascínio indescritível. Nunca tinha visto nada igual em Canoas, RS, onde eu morava.
E sempre que eu ia passar as férias no Rio, um de meus programas preferidos era ajudar minha tia Gina a fazer a feira, que no posto 2 de Copacabana, era sempre às 5as feiras, na Rua Ministro Viveiros de Castro, que era então fechada ao trânsito.
Cada barraca era uma emoção diferente. Havia barracas de legumes, folhas, frutas, biscoitos, comidinhas feitas na hora, peixes, carnes, artigos para a casa, barracas grandes e pequenas, algumas com fila para atendimento e outras sem ninguém. Havia também as barraquinhas periféricas, ao redor da feira principal, montadas em tabuleiros improvisados sobre caixotes de madeira, geralmente oferecendo produtos para cozinha, tampos para pia e outras coisas que eu nem sabia para que poderiam servir. Eu circulava entre tudo aquilo me sentindo em meio a um mercado persa, embora ainda não soubesse onde ficava a Pérsia. Cada feirante sua própria personalidade, muitas delas marcantes. Eu ouvia e achava maldade quando algum deles dizia bem alto: "moça bonita não paga" (era injustiça com as feias), e logo depois ria ao ouvir o feirante completar: "mas não leva".
Havia os feirantes divertidos, os sérios, os que davam amostras do que estavam vendendo, os que davam descontos, os que não davam, os que conheciam os clientes pelo nome, e um que já sabia que eu era gaúcho, e que sempre que me via perguntava 'onde está o pingo?' me deixando encabulado e sem saber o que responder.
Havia também uns meninos que me pareciam tristes, cada um com seu carrinho montado com pedaços de tábuas de caixotes, e umas rodinhas pequenas presas embaixo, que ficavam perambulando pela feira e às vezes eram chamados pelas madames para lhes acompanharem. Elas iam colocando suas compras nesses carrinhos, de barraca em barraca, e no final eles acompanhavam as madames até suas casas e ganhavam uns trocadinhos como pagamento.
Mas a maioria das mulheres - fazer feira era uma tarefa feminina - levava seu próprio carrinho de feira, um veículo que não mudou muito em todos esses anos, feito com arames entrelaçados e umas rodas grandes, que quando minha tia chegava em casa dobrava todo (eu achava o máximo aquela transformação) e enfiava em algum canto obscuro da casa até a feira da semana seguinte.
Lembrei disso tudo porque passei por uma feira aqui perto, resolvi fazer umas fotos e foi inevitável lembrar daqueles tempos e de minha tia Gina. As feiras não parecem ter mudado muito de lá para cá, já os meninos com seus carrinhos feitos de tábuas eu não consegui encontrar.
Mas uma coisa permanece a mesma, ao menos para mim: Minha barraca preferida continua sendo a dos biscoitos.
Publicado em 29.04.2017
N. do A.: Pingo é a forma carinhosa e tradicional com que gaúchos tradicionalistas se referem ao seu companheiro de trabalho no dia a dia do campo: o cavalo.