Magias e Hinos

 

Um mágico sabe como desviar a atenção da platéia enquanto faz seu truque: Levanta a mão esquerda e faz um gesto teatral enquanto a mão direita, discretamente, muda as cartas de posição. Chama-se a isto magia de distração. Às vezes tenho a impressão que vivemos num país de mágicos, todos tentando desviar nossa atenção do que é realmente importante. Tem sido assim há anos, a única diferença é que agora o mágico mudou de posição no palco, passando do lado esquerdo para o lado direito.

Nos últimos dias o assunto mais discutido no país foi se crianças devem cantar o hino nacional nas escolas. Este foi o assunto preferido nos grupos de whatsapp, em postagens do Face, em votações online e em conversas de amigos. Como se nada mais importante precisasse ser discutido e resolvido em nosso país. Pura magia de distração.

Sim, todos sabemos que muitas escolas públicas atualmente são uma catástrofe e uma amiga há poucos dias relatou: "Eu moro nos fundos de um prédio que dá para o pátio do colégio. Hoje o único hino que toca lá é funk na hora do recreio, na educação física ou quando estão matando aula, fora os xingamentos dos alunos que chegam de manhã e já berrando. Já presenciei muitas vezes deboches e enfrentamentos dos alunos com relação aos professores/coordenação que tentam colocar eles pra dentro das salas de aula. Fora os namoros nos fundos da escola".

Mas eu me pergunto se adotar a execução do hino nas escolas e dar aulas de moral e cívica seria suficiente para resolver uma situação tão dramática. Quando eu era criança cantava o hino nacional duas vezes por semana perfilado no pátio da minha escola e sei que aquilo em nada contribuiu para me tornar uma pessoa melhor. Frases como 'se ergues da justiça a clava forte', 'o lábaro que ostentas estrelado',  'fulguras ó Brasil florão da América' não faziam o menor sentido na minha cabeça.

E o que dizer então das aulas de moral e cívica? Nunca fiquei sabendo do que se tratavam e estou até hoje convencido que nem os professores sabiam.

Cidadania, respeito, moral e outras qualidades devem ser ensinados aos jovens principalmente através de exemplos diários. Exemplos dados por pais, família, professores, governantes, policiais, médicos, funcionários públicos, autoridades e toda sociedade. E se nas escolas o ambiente está tão ruim não seria o caso de pensarmos, antes de tentar consertar as crianças, se não devemos consertar a nós mesmos? Em nosso dia a dia somos civilizados? Tolerantes? Respeitosos? Acatamos opiniões divergentes? Sabemos conviver com diferenças? Tudo que falamos, escrevemos e expressamos serve de exemplo? Ou estaremos exigindo dos jovens aquilo que nem nós mesmo somos?

O Hino Nacional cantado espontaneamente e à capela antes dos jogos do Brasil é que emociona e leva às lágrimas. Da mesma forma, se queremos formar melhores cidadãos devemos antes aceitar o fato que para isso não existem mágicas nem caminhos curtos.

O processo de formação da cidadania consciente é longo e demorado, e vai exigir muito esforço de nós mesmos, em todos os níveis. Não é algo restrito à escola, nem algo que se concretize em menos de uma ou duas gerações. Mas é um método que funciona. E dispensa magias de distração.

 

 

Publicado em 06.03.2019