Tenho acompanhado com interesse a novela do Brexit, e acho que ela tem até deixado a Rede Globo com inveja. Nenhum autor global iria conseguir criar uma novela com tantas reviravoltas, surpresas e impasses.
Por acaso estávamos no Reino Unido em 2016 quando uma votação aprovou o Brexit e de lá para cá, a confusão sobre o que vai acontecer só tem aumentado. Lembrei disso quando vi uma foto da fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte, e lembrei que atravessamos este mesmo local em 2015.
Relembrando o início da história entre as duas Irlandas: No século XVII a ilha irlandesa foi ocupada pelos ingleses e anexada ao Reino Unido. Em 1919 a insatisfação dos irlandeses com a dominação inglesa explodiu, causando uma revolução que resultou em muitas mortes e na emancipação da maior parte da Irlanda (o sul). O norte, habitado majoritariamente por colonos ingleses, permaneceu parte integrante do Reino Unido. Como consequência da divisão, um país com a mesma língua, história, costumes, tradições e hábitos foi partido ao meio. Uma solução esdrúxula com consequências esdrúxulas.
Poucos países fazem interrogatórios tão detalhados aos visitantes que chegam como o Reino Unido. Em todas as vezes que cheguei a Londres, de avião ou trem, fui questionado na imigração sobre minha profissão, local de trabalho, estado civil, razão da viagem, quantos dias iria ficar, que lugares iria visitar, qual hotel iria me hospedar, tive que mostrar a passagem de volta, passaporte anterior, fui questionado se já havia morado lá e por que falava inglês tão bem, entre diversas outras perguntas. A imigração inglesa, dependendo do humor do agente fiscal, pode ser até pior que a americana.
Todo este rigor com a entrada de visitantes só torna ainda mais surreal a questão da fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte, uma porteira escancarada para quem quiser entrar no país, legal ou ilegalmente.
Constatamos esta situação ao visitar a Irlanda em 2015. Naquele ano tínhamos voado de Lisboa para Dublin (capital da Irlanda) e alugamos um carro para ir até Belfast (capital da Irlanda do Norte). À medida que nos aproximávamos da fronteira entre os dois países eu imaginava encontrar um posto de controle, guarita, placa indicativa, policial ou qualquer coisa que fosse. Mas não havia absolutamente nada.
A estrada que percorríamos vinha pela Irlanda e de repente já seguia pela Irlanda do Norte. Tínhamos mudado de país como quem muda de bairro.
Para não dizer que não havia nada, vimos mais adiante uma placa na margem da estrada, lembrando que as velocidades máximas indicadas nas placas, eram agora em milhas, e não mais em quilômetros. Em outras palavras, tínhamos entrado no Reino Unido sem falar com ninguém, mostrarmos nenhum documento e nem sermos questionados sobre nada.
De onde se conclui que, dependendo da porta de entrada, o acesso é livre.
Ingleses estão agora com um imenso abacaxi nas mãos. Fechar a fronteira entre as duas Irlandas pode ser interpretado como agressão aos irlandeses do sul e trazer de volta os sérios conflitos e guerras do passado. algo que não interessa a ninguém. Por outro lado, manter a fronteira aberta será adotar uma postura de controle faz de conta, exatamente o que o Brexit se propõe a acabar. Mas afinal, quem mandou os ingleses mexerem nesse vespeiro?
Que eles resolvam o problema por eles mesmos criado.
Publicado em 16.11.2018