Nelson Freire

 

Era uma tarde gélida de novembro em Montreal, Canadá, com os termômetros marcando 8 graus abaixo de zero, o dia terminando e o sol se pondo às 4 da tarde, e para fugir do frio que aumentava cada vez mais nós entramos numa loja de música. Eu estava decidido a aproveitar a viagem e a ótima cotação do dólar canadense para comprar mais alguns CDs. E naquele dia eu procurava por algo especial: As obras de Chopin.

Fomos até a seção de clássicos, procura daqui, procura dali e de repente Regina me apareceu um CD em mãos. Era uma coletânea com os 24 prelúdios de Chopin, algo precioso. E como se não bastasse, ela completou: São executados por Nelson Freire!

Nelson Freire era assim, encontrado, reconhecido e respeitado em todos os cantos do mundo, do Canadá ao Japão, da Argentina à Israel. Ele era uma unanimidade. Não é de estranhar, então, que num país onde arte e cultura são tão pouco valorizadas, Nelson Freire tenha se tornado mais famoso no exterior do que entre nós.

Dizer que ele foi um gênio seria pouco, hoje esta palavra é tão utilizada que seu significado se perdeu. Mas com certeza, Nelson não pertencia a esse mundo, e se passou uma temporada aqui deve ter sido para nos transmitir algo, provavelmente relacionado ao aprimoramento de sentidos.   

Talento precoce, ele foi definido pelo maestro João Carlos Martins como o maior pianista da atualidade. E no resto do mundo seu falecimento foi noticiado como "luto pela perda de um dos maiores pianistas que o mundo já conheceu". 

Minha admiração por quem domina com maestria um instrumento tão difícil cresceu ainda mais quando estudei piano, dos 12 aos 17 anos. Nos dois primeiros anos tudo foi divertido, mas à medida que as lições ficavam mais difíceis, e se tornavam necessárias horas de estudo diário para dominar a técnica, a disposição e o tempo para seguir em frente sumiram, e a tampa de meu piano foi fechada para sempre. 

Não esperemos nenhuma palavra de reconhecimento ou homenagem póstuma da parte de nosso governo a um filho que honrou nossa terra e levou o nome do Brasil tão longe e de forma tão nobre. Arte é um assunto nefasto para esse governo. Mas Nelson Freire provavelmente iria dispensar todas as homenagens. Apesar da fama e reconhecimento global, ele permaneceu sempre uma pessoa humilde, simples e avessa a homenagens. Como deve ser.

Nelson Freire foi um brasileiro que nos trouxe orgulho, mostrando ao mundo o que há de melhor no Brasil e merece ser para sempre lembrado. 

O oposto de tantos outros que diariamente nos envergonham e merecem ser esquecidos.

 

 

Publicado em 02.11.2021