Tempo

 

Imagine o vazio absoluto. Um lugar sem nada nem ninguém. Nem gente, nem luz, nem som, nem chão, nem ar, nem planetas, nem atmosfera. Alguém consegue imaginar, neste lugar hipotético, o tempo deixando de passar? Não. A mente humana é incapaz de conceber a impossibilidade da transcorrência do tempo. Mesmo num lugar vazio e sem nada, nosso cérebro insiste que o tempo continuará correndo, inexoravelmente.

Einstein disse que a passagem do tempo é relativa e está relacionada à velocidade da luz, mas pouca gente deve ter entendido o que ele quis dizer. E apenas agora acho que eu compreendi, mesmo sem muita certeza, o espírito da coisa, porque parece que foi ontem que eu estava empurrando meu caminhãozinho novo no pátio de casa.

Aniversários podem ser datas para se comemorar, ganhar presentes, receber abraços de amigos ou simplesmente ignorá-los, como muitos preferem fazer. No fundo nada disso importa. Aniversários são apenas uma das formas que inventamos para medir a passagem do tempo, e servem, entre outras coisas, para darmos graças a Deus por nossa visão estar cansada, e nos impedir de tomar um susto cada vez que nos olhamos no espelho do banheiro.

Meu avô viveu até os 60 e meu pai até os 67. O que isto quer dizer? Nada. Eu posso viver apenas mais uma hora ou posso passar dos 105. A vida é um exercício de malabarismo, onde, como equilibristas, vamos caminhando sobre um arame suspenso, bamboleando para lá e pra cá, às vezes enfrentando ventos fortes ou calmarias, ouvindo aplausos ou levando vaias. Parte  do aprendizado de um malabarista consiste em não se deixar derrubar pelos ventos, não se envaidecer pelos aplausos nem se abater pelas vaias. E nunca olhar o relógio.

Sei que esta vida é apenas mais uma parte de uma série incontável de existências sequenciais rumo à perfeição. Aqui, enquanto aprendo novas lições, resgato antigas dívidas e tento me livrar de mil e uma imperfeições, meu corpo se desgasta e fica puído, tornando necessários consertos e remendos, como numa camisa velha. Um dia essa camisa não mais poderá ser remendada, então eu vou descartá-la e seguir em frente. 

Muitos jovens olham para velhos com desdém. Os consideram tão atraentes como uma vassoura de palha e tão interessantes como uma propaganda de dentadura, mas de certa forma isso me diverte. Eles não tem como saber que por baixo dessa camisa velha existe uma pessoa forte e imortal.

Conheço pessoas que entram em depressão com a passagem do tempo, e que tentam de todas as formas disfarçar as marcas deixadas por ele, muitas vezes sem sucesso. Penso que talvez lhes falte a compreensão maior a respeito da importância em aceitar sem revoltas cada fase da vida.

Aniversários são coisas boas e merecem sim ser comemorados, com alegria e palavras de carinho. Mas eles são, acima de tudo, mais um marco que conseguimos transpor em nossa jornada, e significam que estamos avançando no processo de aprendizado e aceitação.

 

 

Publicado em 03.08.2020