Todo mundo sabe que no Congresso existem centenas de picaretas e mentirosos, sempre correndo atrás de dinheiro. Todo mundo sabe que no Supremo suas excelências interpretam a Constituição ao sabor de cada momento, conforme interesses e convicções próprias. E todos nós podemos e devemos protestar contra isso, seja em conversas, em textos, nas redes sociais ou em qualquer outro lugar. Podemos organizar reuniões, discussões em grupo e até chamar amigos para passeatas. E se todos nós podemos agir assim, o presidente da república, como qualquer pessoa comum também pode, certo?

Errado.

O presidente da república não é uma pessoa comum. Ao contrário de eu e você, ao assumir o mandato ele jurou respeitar e defender a Constituição. E ela estabelece, claramente, o respeito a todos Poderes Constituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário. Um presidente que incita o povo a ir as ruas contra os outros Poderes está quebrando um juramento. Está faltando às suas atribuições. E está tentando dar um golpe. Sim, esta é a palavra certa.

Incitar massas a ir às ruas visando intimidar os outros Poderes e fazer prevalecer sua própria vontade é comportamento típico de déspotas, ansiosos por ganhar poderes absolutos. É atitude de quem não consegue viver com discordâncias, está acuado, despreza a democracia, não sabe e não quer  dialogar. É mais um passo para a implantação de um regime de exceção. Para quem tanto criticava o regime autoritário da Venezuela é assustador constatar que a receita de Hugo Chaves está sendo seguida à risca, apenas com sinal trocado. 

E se esta convocação vem de um governo que rotineiramente faz pouco das liberdades individuais, agride a imprensa, é conivente com milícias, governa para nichos específicos, difunde fake news, semeia o ódio, desrespeita mulheres, debocha de negros, índios e outras minorias tudo fica ainda pior, pois tornam-se mais evidentes quais são seus reais objetivos.  

As pessoas que atenderem ao chamado bolsonarista para ir às ruas no próximo dia 15 visando intimidar Congresso e Supremo e aumentar os poderes de Bolsonaro serão de dois tipos: Os radicais que sonham em ver uma ditadura de direita implantada no país e os ingênuos que pensam que o que está em jogo é apenas uma questão de orçamento.

 

 

Publicado em 05.03.2020