Às vezes a gente só se dá conta que teve um vizinho famoso depois que ele foi embora. Ele era discreto, não era chegado a exibicionismos nem gostava de aparecer. Estava sempre na mesma esquina, de aparência simples e modesta, e quem passava ao seu lado quase nem lhe olhava, e muito menos sabia que ali estava uma personalidade histórica.
Ele não era como essas celebridades fajutas que existem por aí aos montes, ávidas por aparecer. Ele era uma celebridade autêntica, clássica, como já não se vê mais.
Mesmo assim não ostentava sua fama, e vivia discretamente. Tinha 67 anos, viveu bem, comeu bem, bebeu muito, conheceu muita gente, recepcionou artistas, poetas, escritores, toda elite intelectual da então capital do Brasil e até mesmo, quem diria, serviu de local para um parto, testemunhando o nascimento de uma celebridade global. Mas nunca foi de contar histórias, guardava segredos como ninguém, e mesmo eu, tendo lhe visitado muitas vezes, nunca cheguei a desconfiar de nada disso.
Durante anos eu trabalhei a poucos metros do Villarino e todos os dias, quando chegava e saía, passava em frente. Às vezes, quando o desejo batia, eu entrava, comprava uma barrinha de Toblerone (era caro), ou outra coisa qualquer e ia embora. A última vez que estive lá foi há uns dois anos, com um amigo. Sentamos numa mesinha, pedimos um expresso e ficamos lá durante uma hora e pouco, jogando conversa fora.
Foi com Tom Jobim e Vinicius de Moraes, numa mesa do Villarino, que nasceu a Bossa Nova. No Brasil quase nem se fala nisso, mas qualquer pessoa que já tenha viajado sabe como a Bossa Nova permanece um estilo cult no exterior, tão respeitado quanto o jazz e com incontáveis admiradores.
Isto seria suficiente para, em qualquer cidade decente do mundo, transformar o Villarino num ícone do Rio, com turistas pagando o que fosse necessário para sentar na mesma mesa onde a Bossa Nova foi concebida, fazer uma foto ao lado da assinatura na parede de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e quem sabe, uma selfie junto às suas estátuas de bronze, numa mesa isolada e cercada por cordas douradas. Mas nada disso existe.
Nós vivemos num país que não tem memória e que enterra suas histórias. Vivemos num país de idiotas.
Vai com Deus Villarino. E desculpe eu não te ter dado a devida atenção viu? Eu também sou um idiota.
Publicado em 18.11.2020