Da série: Histórias que meu pai me contava.
No escuro todos os gatos são pardos. E nos céus todos os aviões são iguais
Zé Garcia deixou o Rio de Janeiro para trás e foi para os Estados Unidos quando tinha 18 anos. Desde criança ele sonhava em pilotar aviões, e ficava quase louco quando algum sobrevoava sua cabeça. Como teve uma infância difícil, fazia aviõezinhos de brinquedo encaixando um pente sobre o outro. Veio a guerra, pilotos aliados passaram a ser extremamente necessários para enfrentar os nazistas e teve início o recrutamento em outros países, inclusive no Brasil. Era tudo que Zé mais queria. Fez as malas, deu tchau para a mãe e irmã e lá foi ele para a academia da força aérea americana de Waco, Texas, para realizar seu sonho.
Durante a 2a guerra mundial, era essencial para pilotos aliados saber diferenciar, à distância e com precisão, aviões amigos dos inimigos. Isso poderia representar a diferença entre a vida e a morte. Mas no ar, em condições adversas, e muitas vezes em meio ao combate, não era tão fácil. Era necessário ficar atento a cada detalhe: A forma das asas, a altura do leme, as características da cabine, o estilo da fuselagem etc.
Foi pensando nisso que a United States Air Force, onde meu pai serviu durante a 2ª guerra, desenvolveu diversos métodos visuais para ajudar seus pilotos a identificar, mesmo à distância, cada tipo de avião que eles poderiam encontrar durante suas missões.
Este baralho é um exemplo desses métodos. Ele traz representado em cada uma de suas 52 cartas um avião diferente, amigos e inimigos, mostrados de frente, de perfil e de cima, apenas suas silhuetas. O objetivo era fazer com que pilotos, mesmo em momentos de diversão, enquanto jogavam cartas, aprendessem a identificar, instantaneamente e apenas pelas formas, quem era quem.
Depois da guerra, quando meu pai voltou para o Brasil, trouxe um desses baralhos e quando criança eu lembro que às vezes brincava com ele, enquanto olhava os desenhos dos aviões, que para mim eram todos iguais, e estranhamente, todos pretos.
Muitos anos depois, numa viagem aos Estados Unidos, eu e minha mulher visitamos um local turístico no estado de North Carolina, conhecido como Patriot’s Point, onde existe um museu da marinha onde podem ser visitados um porta aviões, um submarino e diversos aviões. Depois da visita, passamos pela lojinha de lembranças e lá estava ele, o mesmo baralho da minha infância, idêntico em cada detalhe. Foi meu momento Deja-Vú. Claro que comprei na mesma hora.
Dia desses, mexendo em minhas coisas, encontrei este baralho e passei algum tempo olhando suas cartas e lembrando das histórias de guerra contadas por meu pai.
Atualmente esse baralho não serve para mais nada, todos aviões representados nele são obsoletos, mesmo assim ele para mim tem um grande valor: me faz viajar no tempo, nas asas das minhas lembranças e das histórias de meu pai.
A propósito: Friend or Foe é uma expressão que foi criada na 2ª guerra mundial para identificar amigos ou inimigos, e desde então passou a ser usada nas forças armadas.
Publicado em 09.09.2020