Nós, os Alérgicos

 

Ninguém nunca saberá quão terrível e inominável é o sofrimento que alérgicos enfrentam no dia a dia. E a tortura começa no instante em que dizemos isso para alguém. Você está espirrando, lacrimejando, nariz correndo, aí chega alguém e pergunta: Resfriado? E quando você responde: 'Não, alergia' a pessoa dá uma risada e faz uma piadinha. Ninguém leva alérgicos a sério, acham que estamos fazendo graça e só faltam dizer: Alergia? Deixa de frescura.

Quando eu passava minhas férias de julho em Porto Alegre - o que eu mais gostava no mundo - o pior eram os primeiros dias, durante a 'fase de aclimatação': Cheiro de cigarro na casa - naquela época todo mundo fumava - casacos de lã, umidade alta e janelas sempre fechadas por causa do frio. Essa combinação tinha o mesmo efeito em meu organismo que uma bomba e eu passava os primeiros dias espirrando sem parar e com o nariz pingando mais que uma torneira com defeito.

E eu tentava de tudo para melhorar, desde as tradicionais recomendações caseiras (vai para o banheiro e respira fundo o vapor do chuveiro), sementes de girassol, simpatias, remédios e vacinas. Mas tudo era inútil. Minhas alergias eram tantas (poeira, mofo, fumo, lã, pelo de animais, perfumes fortes) que sempre foram imunes aos tratamentos. Somente anos mais tarde, graças à homeopatia - método desprezado por muitos médicos - que eu praticamente fiquei curado. Mesmo assim, geralmente nos invernos, as alergias voltam para me visitar, me assombrando como fantasmas do passado.

Minhas alergias já me renderam muitos dissabores e até dúvidas a respeito de minha masculinidade. Quando eu era criança ser alérgico era quase sinônimo de ser.. ahm... diferente. Mas como eu tinha que conviver com elas acabei inventando algumas técnicas: Só lia jornal com um lenço tapando o nariz, como bandidos do velho oeste, o que fazia com que os outros me olhassem como um fugitivo da justiça. Perfumes e Loções? Nunca. Casacos de lã, daqueles que soltam fios? Jamais. Alguém fumando perto de mim? Tchau.

Alérgicos, além de tudo, são vistos como chatos antissociais:

Vocês vão sair e sua mulher (que está a 20 metros de distância) coloca perfume. Na mesma hora seu nariz detecta o cheiro e dispara um alarme:

- Maria Helena, você colocou perfume??
- Só um pouquinho amor.
- Só um pouquinho? Pelo cheiro você derramou metade do vidro!
- Deixa de ser chato e implicante!

Você está na casa de amigos e a dona da casa, toda orgulhosa, apresenta seu pet:

- Passa a mão nele que ele gosta! Pode fazer festinha.
- Não obrigado, eu estou bem assim.
- kkk, pode passar a mão que ele é bonzinho. Não precisa ter medo.
- ok mas... você tem uma luva pra me emprestar?

Para lidar com essas situações embaraçosas eu desenvolvi algumas técnicas de sobrevivência. No caso dos bichinhos, depois de fazer as obrigatórias festinhas no pet para deixar o dono feliz, eu disfarço e vou no banheiro lavar as mãos. De preferência com álcool. E no caso dos perfumes fortes, sempre que saio com alguém de carro vou com todas as janelas abertas, mesmo que esteja chovendo e frio. Todo mundo reclama mas não posso fazer nada. É uma questão de sobrevivência pessoal.

Ser alérgico, em compensação, tem suas vantagens. Alérgicos desenvolvem um olfato inacreditável, superior até mesmo ao de alguns animais. Alérgicos podem sentir o cheiro de cigarros a 25 metros de distância. Perfumes a 50. Desodorantes e aerossóis caseiros a 58. Tintas frescas a 61.

Eu mesmo me surpreendo com minha capacidade olfativa e até já pensei se isto não seria um dom, um tipo de superpoder ou coisa parecida, que poderia ser usado em benefício da humanidade, como fazem os super heróis. As pessoas então me veriam chegar e diriam: Olhem! Lá vem o Homem-Olfato! Estamos salvos!!

Mas, assim como acontece com os outros super heróis, este superpoder é para mim um tormento, que me faz ser incompreendido e viver isolado. E sei que só terei paz quando finalmente conseguir derrotar meus arqui-inimigos: O Homem-Mofo, a Mulher-Perfume, O Cigarro Escarlate e a Umidade-Voadora.

 

 

Publicado em 10.08.2018