Bolinhos de Chuva

 

Vendo a chuva cair, lembrei dos sonhos que minha avó costumava fazer em dias de chuva. Chuva de tarde era sempre igual a sonhos na mesa, e que coisa mais gostosa era tudo aquilo.

Era tal e qual aquele experimento de reflexo condicionado do cachorro de Pavlov: bastava começar a chover de tarde que a gente já começava a salivar. E tinha todo um ritual, primeiro estender a toalha na mesa da sala e por os pratos, enquanto na cozinha a gordura ia aquecendo na panela até ficar no ponto.

E tinha que preparar as bolinhas de massa com esmero, para ficarem do tamanho certo, e depois, com muito jeito jogar dentro da panela, com cuidado para a gordura fervendo não queimar a mão. Era um trabalho altamente técnico e perigoso, e nós crianças tínhamos que observar a uma distância segura. A gente ficava em volta do fogão, observando intrigados aquela fantástica química que fazia com que bolinhas disformes e branquicentas aos poucos ficassem douradas, firmes e principalmente apetitosas, muito apetitosas.

Então minha tia, com uma espumadeira, tirava os sonhos prontos da panela e as acomodava com carinho num prato bem grande, polvilhava açúcar e canela por cima e pronto, levava para a mesa. E estava feita a festa.

Não lembro qual foi a última vez que comi sonhos numa tarde de chuva - no Rio eles são chamados de bolinhos de chuva, e imagino que devam ter nomes diferentes em outros lugares do Brasil - os sonhos que vejo de vez em quando são sonhos de padaria, que ficam expostos naquelas prateleiras de vidro, e que nem de longe dão vontade de serem comidos.

Os sonhos das tardes de chuva de nossa infância são como sonhos imaginários da vida adulta, vão se tornando cada vez mais difíceis de serem encontrados.

 

 

Publicado em 20.11.2017