A Criação do Brasil Oriental e Brasil Ocidental

 

Tudo começou na noite de 30 de outubro de 2022. Por volta de 23 horas, após o resultado da eleição presidencial ser anunciado, surgiram os primeiros conflitos, registrados no Rio de Janeiro, onde membros do grupo 'Fé, Compreensão e Família' e do grupo 'Deus, Paz e Harmonia', inconformados com a derrota de seu candidato, atacaram os eleitores do candidato vencedor com tiros de fuzil. Os conflitos atravessaram toda a noite, tornaram-se ainda mais intensos no dia seguinte e na semana posterior haviam se espalhado por várias cidades do país.

Quatro dias após, ônibus e metrôs de diversas capitais tiveram a circulação interrompida após seus  centros de controle terem sido tomados por milícias fortemente armadas. Polícia militar e tropas do exército foram chamadas para intervir, mas como as tropas estavam divididas entre os dois lados, nada foi feito.

Na semana seguinte, caminhoneiros de todo país decidiram entrar em greve e montaram piquetes nas principais estradas do país, causando desabastecimento geral nos postos de gasolina, supermercados e feiras livres. Farmácias e hospitais também foram fortemente afetados.

Decorridas duas semanas dos primeiros confrontos, e com o agravamento da situação em todo país, o governo decidiu decretar lei marcial, mas isso em nada contribuiu para controlar a situação. Revoltadas e desesperadas, as pessoas continuavam a sair para as ruas, vestidas de vermelho-branco ou verde-amarelo. E sempre que grupos opostos se encontravam pelas ruas violentos combates aconteciam, deixando residências incendiadas, lojas destruídas e corpos ensanguentados pelas ruas. 

Coquetéis molotov e bombas caseiras passaram a ser usados pelos dois grupos e armas diversas – fornecidas por milícias, colecionadores de armas e clubes de tiro - passaram a ser vistas com frequência pelas ruas. Ninguém mais estava a salvo em lugar algum e mesmo entre famílias eram frequentes as brigas, onde cada lado responsabilizava o outro pela situação, não raro descambando para a violência física. Casos de tios velhos, vizinhos chatos e mulheres e maridos teimosos sendo jogados pelas janelas se tornaram frequentes. Em todo país, a situação era incontrolável.   

Transcorrido outro mês e sem conseguir controlar a situação, o governo eleito anunciou que havia desistido de tomar posse e o 2º colocado nas eleições agiu da mesma forma. Logo após os anúncios, formaram-se dois comitês governamentais, o primeiro sediado em Belo Horizonte e o segundo em Fortaleza, cada qual dizendo-se o único e autêntico representante do Estado Brasileiro. Entrementes, batalhas continuavam a ser  travadas nas cidades e campos. Em 40% do país a energia elétrica já não funcionava, o abastecimento de água era precário, prédios residenciais e comerciais ardiam em chamas enquanto hospitais, com médicos e enfermeiros esgotados, não davam conta de atender a multidão de feridos que conseguia se arrastar até lá. 

Em todo o mundo os olhos estavam voltados para o Brasil. Jornais e mídia não cessavam de exibir imagens chocantes da revolução que ocorria no país, no que já estava sendo chamado de 'A Grande Revolução Tupiniquim', ou 'The Tupinikeen Revolution', nas palavras da CNN .

Atendendo a pedidos urgentes dos países vizinhos, notadamente Argentina e Uruguai, o Conselho de Segurança da ONU convocou uma reunião emergencial onde foi decidido, por unanimidade o envio de tropas internacionais de segurança para o Brasil, compostas por marines americanos, que deveriam desembarcar nas praias de Copacabana, Guarujá, Boa Viagem e Tramandaí, e avançar terra adentro, enquanto paraquedistas franceses, ingleses e alemães saltariam no planalto central, pampas gaúchos, cerrado mato-grossense e baixada fluminense, objetivando tomar o controle das cidades. 

Logo que chegaram as tropas internacionais ergueram barricadas nas principais ruas e avenidas das capitais, tentando com isso evitar os sangrentos enfrentamentos que seguiam ocorrendo dia e noite. Relatos dessas tropas internacionais contam que nos dois lados das frentes de combate eram ouvidos estranhos cânticos, entoados a caminho da luta, sendo que os vestidos de vermelho-branco pareciam entoar algo como 'ulala' e os vestido de verde-amarelo emitiam sons semelhantes a 'itoito'.

No Rio de Janeiro foram erguidas barricadas no Jardim Oceânico, Aterro do Flamengo, Lagoa Rodrigo de Freitas, Sambódromo e Quinta da Boa Vista, onde todos que desejasse passar precisavam exibir suas postagem em redes sociais, para comprovar que não eram ativistas de nenhum dos dois lados. Os que não conseguissem comprovar de forma satisfatória eram detidos e enviados para local desconhecido. Muitas dessas pessoas jamais voltaram a ser vistas.    

Após seis meses de ocupação, as Tropas Internacionais Mantenedoras da Paz se mostraram incapazes de controlar a situação, sendo que seu comandante, o General Macmillan Bullshit, relatou nunca ter visto tanto ódio entre dois grupos, nem mesmo quando serviu entre a Coréia do Norte e do Sul. Até aquele momento, cerca de 1,5 milhão de mortes já haviam sido contabilizadas no Brasil e grande parte das cidades haviam sido consumidas pelas chamas.

Nova reunião de emergência foi então convocada pelo Conselho de Segurança da ONU, onde foi decidido que, como A Grande Revolução Tupiniquim  comprometia a segurança das Américas, ameaçava a estabilidade do dólar, o fornecimento mundial de commodities e os festejos de carnaval, não poderia prosseguir. E considerando que todas tentativas de controlá-la haviam sido infrutíferas, tal era a fúria dos oponentes, foi proposta uma solução radical: separar o país em dois, assim como já havia sido feito na Alemanha após a 2ª guerra. Posta em votação, a proposta foi aprovada por todos países membros da ONU, sendo que apenas Rússia e China se abstiveram de votar. Os dois comitês governamentais instalados no país convulsionado, sem alternativas a oferecer, se viram obrigados a aceitar a proposta.  

Assim, à zero hora do dia 01 de julho de 2023 foram criados o Brasil Oriental e o Brasil ocidental.

Foi estabelecido que cada um dos dois novos países seria formado de forma a compreender a maioria política dominante em cada lado. E que eventuais bolsões de dissidentes teriam sete dias para deixar suas casas e trabalho e se mudar para o outro lado. Em casos particulares, como nas cidades onde eram iguais o número de ativistas de cada lado, as pessoas poderiam permanecer, mas vivendo confinadas à sua metade da cidade, sendo que as duas metades seriam separadas por um grande muro. Para implantar esse sistema foram chamados os antigos responsáveis pela construção do muro de Berlim.

Nessas cidades, muitas famílias, amigos, namorados e casais foram separados da noite para o dia já que a construção do muro foi feita durante a noite e sem aviso prévio. Cães de guarda, minas terrestres, holofotes e guardas internacionais, fortemente armados patrulhavam toda extensão dos muros, com ordem de atirar para matar em quem tentasse atravessá-lo.

Separados e sem contato, os dois lados não tinham mais como lutar e  aos poucos a situação começou a se normalizar. Com o tempo foram organizadas novas eleições, tanto no Brasil Oriental como no Brasil ocidental, e os dois presidentes eleitos tomaram posse sem problemas.

Depois de cinco anos a vida voltou quase à normalidade, mas com algumas diferenças entre os dois países. Bandeiras, hinos e livros de história foram modificados, sendo que a forma de relatar a Grande Revolução Tupiniquim difere em cada lado da fronteira. Nas escolas, por exemplo, todas as crianças são doutrinadas a detestar o outro lado, e lhe ensinam que os culpados pela 'infame ruptura' (essa é a forma como se referem à revolução) foi o lado oposto. Todas crianças aprendem que o lado oposto um dia será subjugado pelo lado de cá, e que nosso lado é o único verdadeiro defensor da fé, justiça e moral. 

Até hoje, entre os dois países existe o que é conhecido como 'Terra de Ninguém', uma zona árida e morta, atravessando uma faixa com mais de dez mil quilômetros de extensão e 500 metros de largura, se estendendo do Oiapoque ao Chuí. Soldados dos dois países, cada um de seu lado da faixa, fazem a guarda da Terra de Ninguém e civis são expressamente proibidos de se aproximar a menos de dois quilômetros da faixa. 

Decorridos doze anos, a despeito de várias tentativas feitas por países amigos e pela ONU, Brasil Ocidental e Brasil Oriental não estabeleceram relações diplomáticas, sendo que viagens, visitas, mensagens e qualquer tipo de contato entre os cidadãos dos dois lados  permanecem terminantemente proibidas. 

Mas de todos os problemas trazidos pela divisão do país, a proibição de contatos entre os dois lados foi o que menos incômodo causou, pois muitos anos antes as pessoas com convicções diferentes já tinham deixado de se falar.  

 

 

Publicado em 21.10.2022