Existem pessoas que a gente conhece de perto e com as quais convive, mas se não as conhecêssemos e não convivêssemos com elas, nossas vidas não sofreriam a menor diferença.
E existem pessoas que a gente só conhece de longe e com as quais não convive, no entanto, elas exercem, de alguma forma, influência em nossas vidas.
Alberto Dines pertencia ao segundo grupo. Ele era jornalista, portanto nada tinha a ver com o que eu tenho feito profissionalmente nas últimas décadas, mas e daí? Eu também não tenho nada a ver com violoncelistas, pilotos de 747 ou atletas de saltos ornamentais, e nem por isso deixo de admirar o que eles fazem.
Não sou nem de longe a pessoa indicada para falar sobre sua refinada técnica jornalística, sua obsessão pela busca da verdade na informação ou seu inteligente estilo de escrever, afinal, neste exato momento, há muita gente fazendo isso, relembrando a carreira de Dines ao longo das últimas décadas nas principais revistas e jornais do país. Mesmo assim, senti necessidade de lhe dar ao menos um tchau e também de lhe agradecer por tantos textos brilhantes com que ele me brindou em diversas ocasiões.
Não esqueço de um pequeno episódio, insignificante mesmo, mas que de certa forma me aproximou dele, embora Dines nunca tenha ficado sabendo disso. Nos anos 90, o Jornal do Brasil (do qual Dines havia sido anteriormente editor chefe durante onze anos), decidiu criar um novo caderno, e para fazer seu lançamento fez uma grande campanha publicitária.
Foram semanas de chamadas publicitárias alardeando o novo caderno como algo revolucionário e imperdível. Na época eu era assinante do JB, lia tudo de ponta a ponta e aguardei ansioso pela chegada da novidade. Finalmente, quando o dia chegou e a tal novidade foi para as bancas, ela revelou-se uma grande decepção, praticamente uma fraude. Foi o que hoje se chamaria de propaganda enganosa. Lembro que fiquei tão revoltado com aquilo que escrevi uma carta para o JB, esculhambando com todos eles, com a novidade fajuta e com o jornal. Para minha surpresa a carta foi publicada poucos dias depois.
Mas minha maior surpresa foi ver, na semana seguinte, um arrasador artigo de Dines, dando uma esculhambação ainda maior no JB pelas mesmas razões, e salientando que os rumos que o então maior jornal do país estava tomando não estavam à altura de suas tradições. E eu, quando li seu texto, me senti como quem tinha lavado a égua (expressão gaúcha, significa ter grande satisfação, ganhar um torneio etc).
Dines largou o Jornal do Brasil algum tempo depois e o JB nos anos seguintes diminuiu tanto que acabou sumindo. E eu, viciado em leitura e informação, assinei O Globo.
E Alberto Dines, tenho certeza, a essa hora deve estar revirando de ponta cabeça a gráfica do céu com suas idéias diabólicas e angelicais.
Publicado em 24.05.2018